XXX pdf | Page 9
princípios devem ser priorizados? Deve ser
assegurado ao professor a liberdade de proferir
tal discurso na sala de aula de uma escola
pública?
envolvimento de um terceiro nessa discussão,
alguém que não possua relação com nenhuma
das posições anteriores. Este irá olhar para o caso,
tentar entender os argumentos utilizados e criar
uma opinião própria a partir do exposto. Se a ideia
de um dos dois lados for absurda e incoerente, ela
irá facilmente perder força, e o argumento
contrário irá, dessa forma, prevalecer (ao menos
momentaneamente, enquanto uma ideia melhor
não lhe sobrevier). Esse seria o ideal de livre
mercado de ideias desenvolvido por Mill.
Na seara de pensadores que se debruçaram sobre
a questão das liberdades e seus limites,
encontramos as ideias de John Stuart Mill (1806-
1873) em oposição ao pensamento de Karl
Popper. Mill foi um filosofo inglês que viveu no
século XIX, tornando-se um expoente do
utilitarismo e árduo defensor das liberdades
individuais. Em sua obra On Liberty (1859),
estabelece como tese central que a máxima
felicidade só poderia ser alcançada em uma
sociedade que respeitasse o livre arbítrio de todos
seus cidadãos. Especificamente no segundo
capítulo, Mill dedica-se ao tratamento do tema da
liberdade
de
pensamento
e
discurso,
asseverando que só um “mercado livre de ideias”,
ou seja, um ambiente no qual convivam inúmeras
visões de mundo conflitantes ao mesmo tempo,
seria capaz de levar a sociedade ao fim do
preconceito e a um maior conhecimento da
verdade. Desse modo, para ele todas as opiniões,
das mais absurdas às mais consensuais, devem
ser livremente expostas, de modo que a
sociedade, ao ter a oportunidade de se ver envolta
por um ambiente de contestações constantes ao
pensamento hegemônico, se imunizaria do
perigo da criação de dogmas inalteráveis
tendentes a uma estagnação do pensamento.
Ocorre que tanto Mill quanto Popper concordam
que o melhor meio para a resolução de conflitos
e ideias divergentes é o debate. No entanto, o
primeiro compreende que a repressão ao
discurso deve ocorrer apenas em relação àqueles
que impedem explicitamente o exercício pleno
da liberdade de outra pessoa. Já o segundo
entende que há um limite de intolerância cabível
que possa ser proferida. Para Popper, portanto, a
intolerância absoluta, que cala o debate e
impossibilita o diálogo, deve ser combatida com
força.
Compreendemos hoje que o sentimento de
exclusão e de silenciamento de alguns grupos
muitas vezes dá a eles uma força na direção da
radicalização, uma vez que faz com que se vejam
cada vez mais à margem da sociedade, sem a
sensação de pertencimento, o que legitimaria sua
imunidade ao controle social que a convivência
em sociedade necessariamente implica.
Ademais, o autor vê que em uma sociedade na
qual as ideias são livres o debate e a
argumentação seriam mecanismos de ajustes
responsáveis por levar ao senso comum noções
mais elaboradas. Com isso, a exposição de
opiniões fora do consenso seria não só tolerada,
mas também altamente recomendada. Afinal,
nenhuma ideia é imune a erros, e todo
conhecimento que não é posto à prova não passa,
no fundo, de um preconceito ou crença.
Se há algo de positivo na fala do professor,
podemos ressaltar o fato de ela esclarecer para
muitos que discursos como este ainda persistem
vigorosamente em determinados setores da
sociedade, sendo que o único jeito de combatê-
los pressupõe um reconhecimento prévio de sua
força.
Karl Popper defende o uso da força em casos de
intolerância absoluta, como já salientamos. Só
devemos tomar cuidado, contudo, para que tal
combate não acarrete uma situação em que,
num primeiro momento, a intolerância se
esconde para, em seguida, ressurgir com uma
força ainda maior e mais imprevisível,
consequência essa não desejada socialmente.
Pensemos no caso em questão. O professor
Gualazzi trouxe a público uma visão de mundo
que considera correta e que busca compartilhar.
Os alunos, por sua vez, discordaram da
perspectiva do professor, elaborando contra-
argumentos para demonstrar os erros presentes
na tese do professor. Agora imaginemos o
31/03/2019
9
© Gazeta Arcadas