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de ódio. Vivemos em uma democracia, logo todos os direitos devem ser interpretados sob o prisma democrático. Quando uma pessoa, com o seu discurso, incita o ódio contra outros grupos sociais historicamente discriminados em razão de raça, gênero, etnia, classe social ou orientação sexual, ela contribui para a supressão da liberdade de expressão dessas minorias, indo de encontro à democracia. atual. Popper, como defensor ferrenho da democracia liberal, trouxe em seu livro A sociedade aberta e seus inimigos, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, o conceito do “paradoxo da tolerância”. Nele, compreende-se que ao tolerar os intolerantes, os tolerantes estariam sob sério risco de deixarem de existir, algo que levaria, por conseguinte, ao fim da própria tolerância. No início de 2019, o professor associado Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, docente da Faculdade de Direito da USP, distribuiu entre alunos de sua disciplina na graduação um documento contendo as diretrizes do curso. Nele estavam contidas declarações de teor racista, homofóbico e classista, numa clara incitação ao ódio a minorias histórico-sociais. A resposta dos alunos, por meio do Centro Acadêmico XI de Agosto, não foi diferente do esperado: houve a divulgação de uma nota de repúdio na rede social Facebook, num grupo voltado à recepção da turma de calouros deste ano e na página pública da instituição, na mesma rede. A entidade ainda protocolou um ofício destinado à Diretoria da Faculdade, à Comissão de Ética da USP e à Comissão de Direitos Humanos da USP, no qual pede que seja investigada a ilicitude das ações do professor e seu afastamento do cargo. Sinceramente, fico me questionando onde exatamente estou, em que posição no contínuo espaço-tempo me localizo para que o discurso de ódio ainda seja livremente propagado sem qualquer tipo de sanção ou constrangimento formal. Dizem que estou matriculada na melhor faculdade de direito do Brasil, mas essa mesma instituição educacional permite que integre seu corpo docente um professor incapaz de respeitar minimamente os conceitos mais basilares que compõem os Direitos Humanos, consagrados inclusive pela nossa Constituição Federal. Dizem que estou em uma instituição que teve importante papel histórico na resistência ao período ditatorial e na luta por democracia, mas verifico que essa mesma escola de direito tolera que seja ministrada uma aula em comemoração aos 50 anos do golpe militar e suas consequências nefastas é antidemocráticas. O vice-diretor em exercício da Faculdade de Direito, Celso Fernandes Campilongo, em nota encaminhada via e-mail institucional e publicada no perfil da instituição no LinkedIn, reprovou a atitude do professor. Ressaltando a importância da liberdade de cátedra, afastou a ideia de que ela, no entanto, pudesse dar ensejo a uma suposta liberdade de o docente eventualmente proferir incitações ao ódio e afrontar diretamente os Direitos Humanos. Na verdade, não sei se naquele dia eu simplesmente errei o caminho e acabei adentrando equivocadamente um “clube de senhores” em vez da sala em que seria ministrada minha aula de Direito Administrativo, ou se foi esse professor quem se perdeu nos caminhos de seu ensino e postura em sala. Afinal, creio eu que ele deveria nos ensinar sobre direitos, mas aparentemente ele não liga lá muito para eles… Desse modo, a Faculdade de Direito, atendendo aos clamores da Centro Acadêmico, optou pelo afastamento e substituição do professor da disciplina. Não obstante, cabe ressaltar que uma possível solução para o problema, que levasse à construção de uma sociedade mais tolerante e menos excludente, não é tão óbvia e simples de ser vislumbrada a curto prazo. Por Marcelo Lui Beck Karl Popper (1902 -1994) foi um importante filósofo da ciência do século XX. Grande parte de sua obra se refere ao método científico, ao procedimento e aos fundamentos do cientista. No entanto, outro viés de seus estudos mostrou- se de considerável relevância para debates concernentes às ideias de liberdade e democracia 31/03/2019 O caso suscita o debate a respeito do que deveríamos ou não tolerar. Afinal, quais valores e 8 © Gazeta Arcadas