Por Felipe Augusto Por Nathália Lessa
Para Dodge, procuradora-geral da República,
mulheres trans e travestis devem ser transferidas
para unidades penitenciárias femininas, já que
suas permanências em unidades masculinas
configuram-se em medidas inconstitucionais,
pois violam os direitos humanos. A procuradora
cita a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4.275, a qual promoveu a proteção constitucional
das identidades transgêneras, reconhecendo a
substituição do nome e sexo no registro civil,
independentemente de elas terem feito cirurgia
de transgenitalização, ou da realização de
tratamentos hormonais ou patologizantes. É incontroverso que a manutenção de travestis e
mulheres trans no mesmo presídio ou na mesma
ala que homens cis pode colocar em risco suas
integridades físicas e psicológicas. Por conta
disso, Raquel Dodge emitiu parecer defendendo
o direito de mulheres trans de serem alocadas em
unidades prisionais femininas e a faculdade de
travestis optarem por presídios femininos ou
masculinos. Não há como negar a importância de
uma intervenção da procuradora-geral da
República em assunto tão urgente. Entretanto,
isso não isenta o parecer de Dodge das críticas.
No texto da jurista, a justificativa para a
transferência de travestis para unidades
prisionais femininas residiria, num primeiro
momento, no risco a que essas pessoas estariam
expostas num presídio masculino. Contudo, já
existe disposição legal nesse sentido: o artigo 3o
da Resolução Conjunta no 1 de 15 de abril de 2014,
assinada pela Presidência da República e pelo
Conselho Nacional de Combate à Discriminação,
prevê que sejam oferecidos espaços de vivência
específicos para gays e travestis em unidades
prisionais masculinas. Caso essa disposição seja
seguida, a questão da segurança será superada,
levando-nos à discussão do aspecto identitário: as
travestis que se identificam como mulheres
devem ter a opção do presídio feminino. Quanto
às demais, se elas mesmas não se reconhecem
como mulheres, por que o Estado deveria fazê-lo?
O caso noticiado revela um dos desafios do
Direito, e também um dos pontos centrais para o
desenvolvimento social: a capacidade do Direito
de acompanhar e suprir as necessidades da
sociedade em que está inserido. A constatação de
que manter mulheres trans e travestis em
unidades prisionais masculinas é uma atitude
inconstitucional está em acordo com o Princípio
da Dignidade Humana. A situação deplorável em
que essas pessoas se encontram nas prisões
masculinas revela um abuso psicológico, físico e
moral,
justificando
a
necessidade
da
transferência. E a ideia, como afirmou o ministro
Barroso, de que as mulheres cis sofreriam
violência e abusos é infundada e não suficiente
para justificar o sofrimento das mulheres trans,
revelando um preconceito e uma incapacidade
do Direito de entender as demandas da
sociedade.
Por outro lado, legalmente, não deveria haver
discussão quanto à transferência ou alocação de
mulheres
trans
(ainda
que
não
transgenitalizadas) em prisões femininas. Na
defesa dessa garantia, a procuradora assumiu um
posicionamento polêmico, afirmando que o
reconhecimento da identidade de gênero de um
indivíduo independe de alteração no registro civil,
de travestimento e outros critérios comumente
utilizados. De acordo com a jurista, basta que a
pessoa se apresente como do sexo oposto.[1]
Para demonstrar tal inconstitucionalidade, temos
dois itens da Constituição que não estão sendo
observados e respeitados, ambos do Artigo 5°:
inciso XLVII – “não haverá penas: e) cruéis”; e
inciso XLIX- “é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral”. Assim, fica claro que
esses direitos fundamentais estão sendo
desrespeitados e que o Direito, representado pelo
STF, deve se adequar a essas demandas para que
o Estado Democrático de Direito alcance todas as
parcelas.
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