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promessas ridentes, e explorados pelos feitores:
quando, ultimada a colheita da borracha, os
trabalhadores pedem o encontro das contas, é
sempre o empreiteiro quem tem saldo a seu favor;
fornecendo comida, roupa e ferramentas ao operário,
o feitor sempre reserva para si a parte do leão, - de
modo que escraviza pela dívida o devedor, - dando-
lhe a escolher estas duas pontas de um dilema feroz:
ou a continuação do trabalho sem salário, ou
abandono, a fome, a miséria, a morte no meio do
deserto.
Mas nem todos os explorados se resignam
imediatamente ao cativeiro: alguns protestam. E é
então que entra em cena a palmatória, acompanhada
e secundada talvez pelo vergalho e pelo “tronco”...
(p. 488)
Ainda sobre escravidão, em “Siô Benedito e Siá
Belmira” (27.07.1905), Bilac relembra o caso de ex-
escravos africanos que escravizavam outros negros:
“Naquele tempo, eu não compreendia como um
preto, que fora cativo, tinha a coragem de escravizar
e torturar os seus irmãos infelizes...” (p. 352). As
crônicas de Registro despertam profundas
contradições de nosso processo de construção
histórica.
A leveza da crônica de Bilac não foge à
possibilidade do humor por meio da ironia. Em
“Profissões extraordinárias” (24.01.1908), relata o
surgimento de profissões extravagantes, muitas das
quais caracterizadas por aproveitadores de muita má
-fé, como no seguinte episódio:
No Rio de Janeiro, há poucos anos, com o
aparecimento da peste bubônica coincidiu a
invenção de uma nova indústria, - a dos criadores e
importadores de ratos. A Diretoria de Saúde
anunciou que pagaria trezentos réis a qualquer
pessoa que lhe apresentasse, vivo ou morto, um
desse ladinos roedores, transmissores perversos da
peste. Saíram a campo os caçadores; e em pouco
tempo foi consumido todo o stock das ratoeiras nas
lojas de ferragens. Mas alguns homens espertos
quiseram ampliar o negócio; e estabeleceram em
casa viveiros de ratos, e, além disso, começaram a
importar do Estado do Rio os animais preciosos...
A Diretoria de Saúde viu-se tonta! Toada a rataria do
mundo parecia ter invadido o Rio de Janeiro! Os
ratos chegavam aos milheiros, em sacos, em cestos,
em carroças! Afinal, foi descoberta a tratantada, e
suspendeu-se o comércio... (p. 456)
Muitos são os temas que se desenrolam nas
centenas de crônicas de Bilac, mesmo que Álvaro
Simões Jr. tenha selecionado segundo critério
ressaltado no início dessa crítica. Os caminhos da
modernização e desenvolvimento da cidade do Rio
de Janeiro podem ser sentidos no incentivo do
cronista à comercialização de automóveis (“Isenção
de impostos para automóveis”, 26.09.1905) ou na
campanha insistente a favor da educação pública e
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do combate ao analfabetismo (“Literatura e
analfabetismo”, 13.11.1905; “Analfabetismo e
segurança nacional”, 26.02.1904).
A vida cultura não poderia ficar à margem dessa
breve crítica a Registro . Bilac nos auxilia no
entendimento do quadro da literatura e dos leitores
em um “País de analfabetos” (11.02.1903): “Pobre
país, habitado por oito ou dez milhões de
analfabetos! Como é que há de haver literatura,
como é que há de haver arte no teu seio?” (171)
Nesse sentido, outra crônica elucida o problema: “O
Brasil não lê” (04.12.1903). Ao lado dessa
constatação, pode-se alinhar sua severa crítica ao
academicismo literário brasileiro em “Academias
estaduais” (11.04.1907):
É lícito esperar que, daqui a dez anos, não haverá,
nesta extensíssima terra de oito milhões e
quatrocentos mil quilômetros quadrados, um só
quilômetro quadrado que não possua a sua
Academia de Letras.
Seria talvez melhor que em cada um desses
quilômetros quadrados houvesse uma escola
primária... Mas, enfim, quem não tem o que quer,
contenta-se com o que tem. Um homem pode
perfeitamente ser homem de letras sem saber ler e
escrever. Há muitos exemplos disso!
No centro da vida cultural, o jornalista Bilac
registra o surgimento de “Associação dos
jornalistas” (31.10.1905), para fortalecer as
vantagens da associação dos profissionais do
jornalismo.
Tempos
depois,
em
“Fonocinematogazeta” (15.05.1908), escreve sobre
o futuro do jornal impresso:
Decididamente, estão contados os nossos dias, ó
cronistas, escritores de artigos de fundo,
noticiaristas, e mais operários do jornal escrito! Já
se anuncia, bem perto, o jornal do futuro, falado e
cinematografado, entrando rapidamente pelos olhos
e pelos ouvidos, graças à ação combinada dos
fonógrafos e das fitas do Pathé.” (p. 471-472)
Vários escritores aparecem, volta e meia, nas
crônicas, como para fortalecer uma visão de
sistema literário nacional que se instalava mais
fortemente a partir do século 19. Figuras como as
de Antônio Vieira, Gregório de Matos, Gonçalves
Dias, Aluísio Azevedo, Artur Azevedo, Odorico
Mendes, João do Rio, dialogam ou ajudam a
construir o discurso do cronista Bilac. Para
contemplar esse aspecto, não se poderia fechar
essa breve análise crítica de Registro , sem um
excerto de crônica escrita a respeito da morte de
Machado de Assis:
Não me é possível dizer agora, neste momento em
que a notícia da morte de Machado de Assis me