{voz da literatura} {2} {voz da literatura} junho de 2018 | Page 7

{ promessas ridentes, e explorados pelos feitores: quando, ultimada a colheita da borracha, os trabalhadores pedem o encontro das contas, é sempre o empreiteiro quem tem saldo a seu favor; fornecendo comida, roupa e ferramentas ao operário, o feitor sempre reserva para si a parte do leão, - de modo que escraviza pela dívida o devedor, - dando- lhe a escolher estas duas pontas de um dilema feroz: ou a continuação do trabalho sem salário, ou abandono, a fome, a miséria, a morte no meio do deserto. Mas nem todos os explorados se resignam imediatamente ao cativeiro: alguns protestam. E é então que entra em cena a palmatória, acompanhada e secundada talvez pelo vergalho e pelo “tronco”... (p. 488) Ainda sobre escravidão, em “Siô Benedito e Siá Belmira” (27.07.1905), Bilac relembra o caso de ex- escravos africanos que escravizavam outros negros: “Naquele tempo, eu não compreendia como um preto, que fora cativo, tinha a coragem de escravizar e torturar os seus irmãos infelizes...” (p. 352). As crônicas de Registro despertam profundas contradições de nosso processo de construção histórica. A leveza da crônica de Bilac não foge à possibilidade do humor por meio da ironia. Em “Profissões extraordinárias” (24.01.1908), relata o surgimento de profissões extravagantes, muitas das quais caracterizadas por aproveitadores de muita má -fé, como no seguinte episódio: No Rio de Janeiro, há poucos anos, com o aparecimento da peste bubônica coincidiu a invenção de uma nova indústria, - a dos criadores e importadores de ratos. A Diretoria de Saúde anunciou que pagaria trezentos réis a qualquer pessoa que lhe apresentasse, vivo ou morto, um desse ladinos roedores, transmissores perversos da peste. Saíram a campo os caçadores; e em pouco tempo foi consumido todo o stock das ratoeiras nas lojas de ferragens. Mas alguns homens espertos quiseram ampliar o negócio; e estabeleceram em casa viveiros de ratos, e, além disso, começaram a importar do Estado do Rio os animais preciosos... A Diretoria de Saúde viu-se tonta! Toada a rataria do mundo parecia ter invadido o Rio de Janeiro! Os ratos chegavam aos milheiros, em sacos, em cestos, em carroças! Afinal, foi descoberta a tratantada, e suspendeu-se o comércio... (p. 456) Muitos são os temas que se desenrolam nas centenas de crônicas de Bilac, mesmo que Álvaro Simões Jr. tenha selecionado segundo critério ressaltado no início dessa crítica. Os caminhos da modernização e desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro podem ser sentidos no incentivo do cronista à comercialização de automóveis (“Isenção de impostos para automóveis”, 26.09.1905) ou na campanha insistente a favor da educação pública e {voz da literatura} n. 2 | junho | 2018 {7} } do combate ao analfabetismo (“Literatura e analfabetismo”, 13.11.1905; “Analfabetismo e segurança nacional”, 26.02.1904). A vida cultura não poderia ficar à margem dessa breve crítica a Registro . Bilac nos auxilia no entendimento do quadro da literatura e dos leitores em um “País de analfabetos” (11.02.1903): “Pobre país, habitado por oito ou dez milhões de analfabetos! Como é que há de haver literatura, como é que há de haver arte no teu seio?” (171) Nesse sentido, outra crônica elucida o problema: “O Brasil não lê” (04.12.1903). Ao lado dessa constatação, pode-se alinhar sua severa crítica ao academicismo literário brasileiro em “Academias estaduais” (11.04.1907): É lícito esperar que, daqui a dez anos, não haverá, nesta extensíssima terra de oito milhões e quatrocentos mil quilômetros quadrados, um só quilômetro quadrado que não possua a sua Academia de Letras. Seria talvez melhor que em cada um desses quilômetros quadrados houvesse uma escola primária... Mas, enfim, quem não tem o que quer, contenta-se com o que tem. Um homem pode perfeitamente ser homem de letras sem saber ler e escrever. Há muitos exemplos disso! No centro da vida cultural, o jornalista Bilac registra o surgimento de “Associação dos jornalistas” (31.10.1905), para fortalecer as vantagens da associação dos profissionais do jornalismo. Tempos depois, em “Fonocinematogazeta” (15.05.1908), escreve sobre o futuro do jornal impresso: Decididamente, estão contados os nossos dias, ó cronistas, escritores de artigos de fundo, noticiaristas, e mais operários do jornal escrito! Já se anuncia, bem perto, o jornal do futuro, falado e cinematografado, entrando rapidamente pelos olhos e pelos ouvidos, graças à ação combinada dos fonógrafos e das fitas do Pathé.” (p. 471-472) Vários escritores aparecem, volta e meia, nas crônicas, como para fortalecer uma visão de sistema literário nacional que se instalava mais fortemente a partir do século 19. Figuras como as de Antônio Vieira, Gregório de Matos, Gonçalves Dias, Aluísio Azevedo, Artur Azevedo, Odorico Mendes, João do Rio, dialogam ou ajudam a construir o discurso do cronista Bilac. Para contemplar esse aspecto, não se poderia fechar essa breve análise crítica de Registro , sem um excerto de crônica escrita a respeito da morte de Machado de Assis: Não me é possível dizer agora, neste momento em que a notícia da morte de Machado de Assis me