{voz da literatura} {2} {voz da literatura} junho de 2018 | Page 8

{ } acabrunha, o que sinto e o que penso desse homem raro, e talvez único, que foi uma esfinge para muita gente. E dizê-lo, para quê? Que palavras de entusiasmo ou carinho podem aumentar a glória desse nome sem igual, que fica sendo a mais pura tradição da nossa vida literária?( 29.09.1908, p. 481)
Bilac fez de“ Registro” sua crônica diária e, acima de tudo, um diário muito pessoal:“ Este
Registro foi sempre o meu‘ diário’, todos os dias aberto, todos os dias escrito, fixando as impressões dos meus olhos, do meu espírito, da minha inquieta curiosidade. {...}”(“ Despedida”, 09.04.1904).
Esse apanhado de crônicas de Bilac, em
Registro, proporciona aos leitores brasileiros uma amplificação da atuação do poeta em seu tempo, especialmente como homem da imprensa, capaz de opinar sobre as mais diversas questões da vida, mesmo que a partir da ótica carioca e com tantas flagrantes contradições em seu discurso.
A visão sobre a profundidade do trabalho do professor e pesquisador Alvaro Santos Simões Jr. pode ser ampliado pelo leitor interessado com o auxílio da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional( http:// bndigital. bn. gov. br / hemeroteca-digital /), que disponibiliza muitos números- senão todos- do jornal vespertino A Notícia, incluindo os correspondentes ao período da pesquisa de Simões Jr. As crônicas de Bilac, diárias na coluna“ Registro”, estão na segunda página do jornal.
A leitura cronológica auxilia na observação do principal objetivo de Álvaro Simões nessa seleta das crônicas de Bilac em A Notícia, isto é, o de observar a capital carioca em seu processo dialético de modernização durante a chamada Belle époque. Todavia, ao leitor interessado em desvendar o pulso de cronista do poeta Olavo Bilac, é possível uma leitura por temas( com ajuda dos índices ao final da obra), ou avulsa, ao acaso, o que talvez poderá surpreender ainda mais o leitor.
Em outra instância, essa obra publicada pela Editora da Unicamp auxilia a configurar melhor o quadro de cronistas brasileiros responsáveis pela constituição desse gênero, presente até os dias de hoje nas páginas dos jornais brasileiros.
A historiografia literária brasileira só tem a louvar o trabalho empreendido por Álvaro Simões Jr. Oxalá outros trabalhos possam desfraldar tesouros perdidos de nossa literatura no mar dos periódicos antigos, o que contribuiria sobremaneira para uma visão ainda mais completa e complexa de nosso espírito literário, que diz bastante sobre o nosso sentido de nacionalidade.
Não me considero um bilac-ano, muito menos um profundo admirador de sua poesia. Não obstante, sua prosa como cronista contribui fartamente para o registro de um largo período de nossa história, no início de um século de modernização das cidades, de mudanças consideráveis na face do mundo, com a primeira guerra mundial e a Revolução de 1917. Bilac, em
Registro, não chega a tanto, porque seu período como cronista dessa coluna se situa apenas entre 1900 e 1908. Mas esta obra reforça em mim o desejo de ler o cronista Olavo Bilac sob novo ângulo e, quem sabe, na busca de crônicas da sua última década de vida – se é que existem-, em suas reflexões sobre os avanços de nossa recéminstituída República, bem como de outras viagens por ventura empreendidas pelo jornalista.
Uma certeza fica ao final da leitura. É preciso ler e reler o cronista Olavo Bilac. É um dos grandes cronistas do Brasil- com a licença dos superlativos, em certas ocasiões tão vazios de significados... É preciso redescobrir suas crônicas, como forma de redescobrir histórica e literariamente o Brasil.
{} RAFAEL VOIGT, editor da { voz da literatura }, é doutor em literatura pela UnB. Autor de Os ciclos ficcionais da borracha e a formação de um memorial literário da
Amazônia( 2016).
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