{ } acabrunha , o que sinto e o que penso desse homem raro , e talvez único , que foi uma esfinge para muita gente . E dizê-lo , para quê ? Que palavras de entusiasmo ou carinho podem aumentar a glória desse nome sem igual , que fica sendo a mais pura tradição da nossa vida literária ? ( 29.09.1908 , p . 481 )
Bilac fez de “ Registro ” sua crônica diária e , acima de tudo , um diário muito pessoal : “ Este
Registro foi sempre o meu ‘ diário ’, todos os dias aberto , todos os dias escrito , fixando as impressões dos meus olhos , do meu espírito , da minha inquieta curiosidade . {...}” (“ Despedida ”, 09.04.1904 ).
Esse apanhado de crônicas de Bilac , em
Registro , proporciona aos leitores brasileiros uma amplificação da atuação do poeta em seu tempo , especialmente como homem da imprensa , capaz de opinar sobre as mais diversas questões da vida , mesmo que a partir da ótica carioca e com tantas flagrantes contradições em seu discurso .
A visão sobre a profundidade do trabalho do professor e pesquisador Alvaro Santos Simões Jr . pode ser ampliado pelo leitor interessado com o auxílio da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional ( http :// bndigital . bn . gov . br / hemeroteca-digital /), que disponibiliza muitos números - senão todos - do jornal vespertino A Notícia , incluindo os correspondentes ao período da pesquisa de Simões Jr . As crônicas de Bilac , diárias na coluna “ Registro ”, estão na segunda página do jornal .
A leitura cronológica auxilia na observação do principal objetivo de Álvaro Simões nessa seleta das crônicas de Bilac em A Notícia , isto é , o de observar a capital carioca em seu processo dialético de modernização durante a chamada Belle époque . Todavia , ao leitor interessado em desvendar o pulso de cronista do poeta Olavo Bilac , é possível uma leitura por temas ( com ajuda dos índices ao final da obra ), ou avulsa , ao acaso , o que talvez poderá surpreender ainda mais o leitor .
Em outra instância , essa obra publicada pela Editora da Unicamp auxilia a configurar melhor o quadro de cronistas brasileiros responsáveis pela constituição desse gênero , presente até os dias de hoje nas páginas dos jornais brasileiros .
A historiografia literária brasileira só tem a louvar o trabalho empreendido por Álvaro Simões Jr . Oxalá outros trabalhos possam desfraldar tesouros perdidos de nossa literatura no mar dos periódicos antigos , o que contribuiria sobremaneira para uma visão ainda mais completa e complexa de nosso espírito literário , que diz bastante sobre o nosso sentido de nacionalidade .
Não me considero um bilac-ano , muito menos um profundo admirador de sua poesia . Não obstante , sua prosa como cronista contribui fartamente para o registro de um largo período de nossa história , no início de um século de modernização das cidades , de mudanças consideráveis na face do mundo , com a primeira guerra mundial e a Revolução de 1917 . Bilac , em
Registro , não chega a tanto , porque seu período como cronista dessa coluna se situa apenas entre 1900 e 1908 . Mas esta obra reforça em mim o desejo de ler o cronista Olavo Bilac sob novo ângulo e , quem sabe , na busca de crônicas da sua última década de vida – se é que existem - , em suas reflexões sobre os avanços de nossa recéminstituída República , bem como de outras viagens por ventura empreendidas pelo jornalista .
Uma certeza fica ao final da leitura . É preciso ler e reler o cronista Olavo Bilac . É um dos grandes cronistas do Brasil - com a licença dos superlativos , em certas ocasiões tão vazios de significados ... É preciso redescobrir suas crônicas , como forma de redescobrir histórica e literariamente o Brasil .
{} RAFAEL VOIGT , editor da { voz da literatura }, é doutor em literatura pela UnB . Autor de Os ciclos ficcionais da borracha e a formação de um memorial literário da
Amazônia ( 2016 ).
{ voz da literatura } n . 2 | junho | 2018
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