Trabalho 2 - Revista CAUSE - Carina M Benedetti Edição 4 | Page 6

O HOMEM IMPRUDENTEMENTE POÉTICO

Seus livros tem uma característica recorrente muito marcante: exploram minúcias dos cenários onde se passam e também as nuances emocionais muito profundas dos personagens. Como se dá seu processo de criação e o que o motiva a criar?

Eu acredito que toda arte surge por um mesmo motivo. Diferentes criadores buscam se expressar de formas distintas, mas todos eventualmente comungam de uma mesma pulsão, que eu chamaria de uma espécie de pressentimento perante um vazio aparente. A gente pressente que no mundo que nos é dado, algumas coisas falham, algumas coisas iludem como se fossem vazias e omissas, mas a gente pressente que há qualquer coisa a conhecer ali. Todo gesto do artista é um gesto para a revelação de alguma coisa. Como se ele quisesse forçar para que algo que está escondido apareça. Creio que em todos os meus livros começo por situar ou reclamar um espaço, como quem reclama uma naturalidade. Como se eu quisesse convocar os elementos essenciais para a existência da humanidade. Nunca sou demasiado sofisticado. Todos os meus livros parecem um pouco antigos, como história primordiais, que nós podemos colher ainda como retratos da contemporaneidade, ou retratos de uma universalidade. Mas eles têm sempre um ar de coisa meio ancestral, independentes do tempo. E isso se dá porque a minha metodologia consiste em dedicar atenção àquilo que é essencial, e que poderá eventualmente convencer-me de ser tendencialmente imutável, invariável. Eu tenho uma ansiedade enorme por entender se nós nos entendemos. E estou fracamente convencido de que o entendimento e a possibilidade de comunicação é superficial. Nós somos únicos. Rigorosamente nunca nos repetiremos. Nunca existiu ninguém como eu ou como você. E isso sendo uma oportunidade que é dada a cada um de nós de importar, de ser importante para o saldo da humanidade, é também nossa tragédia. Porque significa que cada um de nós, por ser único, é uma grandeza instransmissível. Nós somos, cada um de nós, uma grandeza que só em uma porcentagem pode ser explicada. E então a minha obra - toda ela -, é um esforço em todo dos elementos essenciais da humanidade para tentar entender até que ponto nós podemos nos conhecer uns aos outros. Até que ponto podemos comunicar, e eventualmente para concluir que somos inelutavelmente sós. E por isso nunca vamos estar profundamente acompanhados. Vamos sempre ser remetidos a uma solidão identitária fundamental.

Outro traço muito marcante da sua obra é sua capacidade de embelezar, através da delicadeza da sua escrita, sentimentos que, em princípio, não são belos, heróicos ou nobres. Você de fato vê beleza na tristeza humana?

Creio que preciso ver. Porque a plataforma do sofrimento é uma contigência. O sofrimento é alguma coisa que a natureza nos dá. A natureza garante o sofrimento a todo mundo. Somos efêmeros, frágeis e débeis. Propendemos para a decadência. Decaímos envelhecento e propendememos para a morte. Morreremos. Já a felicidade - ou o simples bem estar - não é uma garantia. O sofrimento, sim. Quando abordo essa dimensão mais disfórica e a própria tristeza, o sofrimento e a dor, o que pretendo fazer é criar um ponto de redenção. E por isso ela pode ser descrita de uma forma tão bela. Por isso tento criar uma beleza a partir desse sofrimento. Estou convencido que a felicidade,

o bem estar, a realização de cada um depende da maneira como nós nos relacionamos com a tristeza. Não há como não existir tristeza, então quero criar essa redenção. Quero reclamar uma forma da vida ser justificada, ter uma justiça, mesmo que ela parta de uma premissa tão difícil. Quero enganar a tristeza com a beleza, como se eu pudesse criar, a partir dessa técnica artística, um ponto de partida para efetivamente mudar. Como se fossse possível guardar algo que, num dado momento nos feriu, não mais como uma coisa que continuará a ferir, mas sim como uma memória a partir da qual conquistamos a nossa felicidade.

Em seu novo livro "Homens imprudentementes poéticos" (lançado em outubro, pela Editoria Globo Livros), você apresenta como tema central um assunto bastante delicado, que é o suicídio, porém sendo vivido no contexto cultural japonês, no qual não há demérito, e sim o reconhecimento da conclusão da vida. Como você vê este livro e o que o fez olhar para tal tema por essa ótica?

Eu o vejo como um lirismo mais calmo. O livro não deixa de conter uma tragédia também. Creio que a minha natureza é destemida, vívida. Por isso abordo sempre personagens difíceis, com percursos difíceis. Não deixa de ser um livro sobre certa fratura e de uma conquista de difícil da esperança. Por isso digo que é um livro de um lirismo mais calmo. Intenso, mas que nos leva a uma ponderação mais pacificada. Como se fosse ser frequentado por leitores mais ajuizados e menos desesperados. E isso talvez seja uma forma de traduzir aquilo que eu acho sobre o Japão. Um país, uma nação, um conjunto de gente que conquistou um equilíbrio grande em relação às suas frutrações. Entre suas perdas e seus desejos, o japonês é comumente visto como alguém que está apaziguado e que se disciplinou. São cidadãos disciplinados, e eu admiro muito muito isso. Creio que este livro, desde a textura até a estética, traz uma abordagem poética sobre aprendizagem e aceitação. Como se a questão da cordialidade visesse altíssima, como uma necessidade. A cordialidade não é algo que extingue nossas oposições, porque nós vamos ter sempre algo que nos faz resistência e algo a que fazemos resistência. Vamos gostar sempre mais de alguém e menos de outro alguém também. E por isso vamos ser sempre opositores, sempre antagônicos a alguma pessoa ou a alguma questão. Mas a aprendizagem japonesa, que no fundo é o que me importa, parece ensinar que a forma como antogonizamos alguma coisa ou alguém, pode ser educada. Pode ser uma espécie de inimizade educada. E eu creio que esta é a conquista desde livro. É sobre isso, no fundo, que eu medito. E a própria estética do livro acredito que vai ao encontro dessa educação, mesmo que nós estejamos, por vezes discutindo um certo ódio, uma certa violência de rejeição.

"Nós somos únicos. Rigorosamente nunca nos repetiremos. Nunca existiu ninguém como eu ou como você, e nunca existirá ninguém como eu ou como você."