O ENTERRADO VIVO
Imagina, que, após longa noite de orgia,
Vens à casa buscar no sono algum conforto;
Dormes, mas de manhã, caíndo em letargia,
Todos te julgam morto!
Tua falsa mulher murmura — felizmente! —
Palpa-te, acha-te frio; e, n'um desvelo ingrato,
Para a viagem, que vais fazer, te traz somente
O teu mais velho fato.
Fica uma vela a arder de tua cama junto...
Saem todos do quarto; e a ti, amortalhado,
Deixam tão só, tão só, miserável defunto,
N'um canto abandonado!...
Tua criada é quem se mostra mais sentida,
Pois de rezar se dá ao menos ao trabalho;
Chega o armador: — propõe, tomando-te a medida,
Um caixão de carvalho;
Mas o filho, com quem gastaste mais carinho,
Tudo com o armador por vinte soldos trata:
— Para enterrá-lo, diz, basta um caixão de pinho,
Madeira mais barata! —
Mas nem no pinho já te encaixam, mas em leve
Choupo, que, tenro e podre, ao peso, estala e entorta;
E “aluga-se esta casa” hão de escrever, em breve,
De tua casa à porta!...
Levantam, balançando-a, essa oblonga bagagem;
E, como sobre um mar estranho que flutua,
Escada abaixo irás descendo... A eterna viagem
Começa!... Eis-te na rua...
Curiosa multidão fervilha e ondeia fora,
E, dentre ela, uns maraus gritarão, sem piedade:
— Irmão! Tapamos já os narizes; agora
Apodrece à vontade! —
Sendo mal pago, o padre, um latim rude e perro
Gagueja sobre o véu mortuário que te cobre...
E, tristonho, quem vir passar teu pobre enterro,
Dirá: — Que enterro pobre!...