Scripsi Scripsi 4 | Page 37

Eu gosto de "bric-à-brac", o "bric-à-brac" dos ossos num corpo magro. Mademoiselle Esqueleto agrada-me, portanto. É uma dança macabra esculpida em osso. Fito-a, espreito-a, escuto a melodia aguda dos seus olhos – esses olhos que lembram dois borrões de tinta numa boneca de trapos. *** Mademoiselle Esqueleto, intérprete de Garrett na casa de Garrett, mudou de teatro. Vi-a esta noite em certo palco, a trabalhar no arame. Resolvi não a ouvir. As palavras desequilibram-na, são maiores do que ela. Limitei-me a olhá-la, a vê-la, a adivinhá-la quase... Mademoiselle Esqueleto a representar é um arco voltaico. Não tem alma nem corpo: tem luz. Fere a vista, por vezes, como um raio de sol. O seu perfil raspante corta-nos as pupilas, como o diamante o vidro. Lembra cristais partidos. As suas frases não se ouvem, veem-se. Os seus lábios são os seus olhos. Ela não representa, desliza num "écran". Não é mulher, é uma fita, um fitilho, um cordel... Toma de quando em quando atitudes nervosas duma espada em combate. O seu corpo é um punhal corso: deita sangue no ar... Mademoiselle Esqueleto é a cabeça de São João no corpo de Salomé. Ela não representa, apresenta-se. Mademoiselle Esqueleto é um cartaz que o vento agita... Não encontramos essa flor da anorexia na poesia de Poe e Baudelaire, embora ela esteja esboçada na estética psicológica de ambos. No Brasil, o baudelairiano Félix Pacheco 2 dizia que : Maurice Rollinat, entre os poetas franceses do começo do século, foi talvez o que mais fielmente espelhou a angústia filosófica do sonho baudelairiano. O seu livro principal, Les Neuroses, está, todo ele, impregnado do perfume estonteante das Flores do Mal. Embora mais importante para Pacheco tenha sido a comparação entre Baudelaire e Rollinat, parece ter-lhe escapado um maior aprofundamento na lírica psicológica do autor de As Neuroses. 2 Félix Pacheco. Baudelaire e os Gatos. Jornal do Comércio: Rio de Janeiro, 1934. pp. 76-88.