Eu gosto de "bric-à-brac", o "bric-à-brac" dos ossos num corpo
magro.
Mademoiselle Esqueleto agrada-me, portanto. É uma dança
macabra esculpida em osso. Fito-a, espreito-a, escuto a melodia aguda
dos seus olhos – esses olhos que lembram dois borrões de tinta numa
boneca de trapos.
***
Mademoiselle Esqueleto, intérprete de Garrett na casa de
Garrett, mudou de teatro. Vi-a esta noite em certo palco, a trabalhar
no arame.
Resolvi não a ouvir. As palavras desequilibram-na, são maiores
do que ela. Limitei-me a olhá-la, a vê-la, a adivinhá-la quase...
Mademoiselle Esqueleto a representar é um arco voltaico. Não
tem alma nem corpo: tem luz. Fere a vista, por vezes, como um raio de
sol. O seu perfil raspante corta-nos as pupilas, como o diamante o
vidro.
Lembra cristais partidos. As suas frases não se ouvem, veem-se.
Os seus lábios são os seus olhos.
Ela não representa, desliza num "écran". Não é mulher, é uma
fita, um fitilho, um cordel... Toma de quando em quando atitudes
nervosas duma espada em combate.
O seu corpo é um punhal corso: deita sangue no ar...
Mademoiselle Esqueleto é a cabeça de São João no corpo de Salomé.
Ela não representa, apresenta-se. Mademoiselle Esqueleto é um cartaz
que o vento agita...
Não encontramos essa flor da anorexia na poesia de Poe e Baudelaire, embora
ela esteja esboçada na estética psicológica de ambos.
No Brasil, o baudelairiano Félix Pacheco 2 dizia que :
Maurice Rollinat, entre os poetas franceses do começo do século,
foi talvez o que mais fielmente espelhou a angústia filosófica do
sonho baudelairiano. O seu livro principal, Les Neuroses, está,
todo ele, impregnado do perfume estonteante das Flores do Mal.
Embora mais importante para Pacheco tenha sido a comparação entre
Baudelaire e Rollinat, parece ter-lhe escapado um maior aprofundamento na lírica
psicológica do autor de As Neuroses.
2
Félix Pacheco. Baudelaire e os Gatos. Jornal do Comércio: Rio de Janeiro, 1934. pp. 76-88.