Saúde Mental Jun. 2017 | Page 38

Você acha que existe alguma diferença na aplicação da arte feita pelos psicólogos e pelos psiquiatras?

TH- Há uma briga de psicólogo e psiquiatra, mas na verdade estamos muito, ambos trabalham com o paradigma da doença, da classificação... psicólogo às vezes tem um conceito mais desmistificado, mas também conceitua e encerra o sujeito de algum modo, o outro encerra em medicamento.

Não dá para se trabalhar com a loucura sem a intersetorialidade. Eu tenho dificuldade, sou psicólogo e já trabalho com arte faz um tempo, mas a gente vê o desenho e “ah, o que esse sol quis dizer?”, não fica uma coisa espontânea, livre, então não vejo tanta diferença, é uma autocrítica.

A arte quem tem que fazer é o artista, o mestre de cultura popular. Tivemos experiências maravilhosas quando o Bloco do Rivotril foi coordenado por um mestre de bateria de samba, quando o mosaico foi coordenado por uma mosaicista e não por um psicólogo, o sentido e o significado quem tem que dar é a pessoa e não eu.

Na descrição da INVERSO aparece a frase “Priorizamos a saúde e não a doença mental”, o que ela quer dizer?

TH- Priorizamos a pessoa, a gente coloca a doença mental entre parênteses....eu mesmo nem sei o seu diagnóstico, sei que tem uma Ju que convive com a gente, tem uma história, a gente prioriza a biografia da pessoa.

JU- Faz 3 anos...

TH- 3 anos...nunca perguntei para não encerrar, eu quero conviver com a Juliana como Juliana, com potencial que ela tem, a saúde, as limitações. A doença faz parte da pessoa, mas ela não é a pessoa, mas não negamos uma limitação que pode haver, isso também é desconsiderar o sujeito, só não supervalorizamos.

Quais são as principais formas de violação dos direitos dos sujeitos que possuem transtornos mentais?

TH- Primeiro, é não escutá-los, geralmente há uma segregação, estando no mundo ou em casa ficam isoladas, as clínicas psiquiátricas, até às vezes os CAPS, muitas vezes segregam as pessoas, não trabalham em rede, em comunidade, não abrem o CAPS pra outras pessoas possam entrar... também a despersonalização, onde você tira a singularidade da pessoa, coloca ela num lugar comum. Por exemplo, eu já trabalhei numa clínica psiquiátrica onde davam Rivotril para todos os pacientes, eram mais de 80 pacientes. Perguntei para psiquiatra o porque e ela falou que a partir das 18 horas a clínica fica vazia, só ficam os enfermeiros de plantão, o Rivotril é para clínica ficar tranquila, ou seja, não é uma demanda das pessoas é

Acabou a camisa de força, mas hoje tem a camisa de força química, invisível, vemos pessoas sedadas, normais, só que com efeitos colaterais muito fortes, perda da libido, perda da espontaneidade, isso está sendo a maior violação de direitos humanos.

Você toma medicamento Ju?

JU- Tomo um só, em gotas.

TH- Como é que você se sente? Se você não tomar ele como é que você fica?

JU- Me sinto bem. Fico nervosa.

TH- São os dois pontos do medicamento, ele ajuda e melhora...quando a gente fala medicalização é a banalização do medicamento, mas nesse caso ela fica nervosa, então o medicamento traz qualidade de vida.

A falta de diálogo dos psicólogos e psiquiatras contribui muito para medicalização?

TH- Contribui bastante, não há um trabalho interdisciplinar. Por exemplo, tem um caso na INVERSO de um frequentador que se veste de mulher, ele foi internado, a mãe ao visitá-lo o viu de mulher, de batom, maquiagem, e chegou desesperada pra gente “ vocês me indicaram uma clínica e ele ta lá, vestido de mulher, aqui fora ele não faz isso”, mas aqui fora ele usa crack, ele usa drogas, como ele não consegue ser o que ele quer ele usa drogas pra isso...

De algum modo, as drogas, sejam lícitas ou ilícitas, elas causam uma dependência, então ao invés da gente se transformar, ser o que é, porque no fundo a gente quer ser autentico, quando a gente não consegue isso a gente recorre a drogas, e causa uma dependência porque gera, querendo ou não, um alívio.

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