doente sem cura, incapaz e muitos outros adjetivos que acabam por tomar a frente das relações sociais e reduzem o indivíduo ao seu sofrimento.
No Brasil, o primeiro a utilizar-se dos recursos da arte como um tratamento foi Ulysses Pernambucano, que inspirou a monografia “Manifestações artísticas nos alienados” de Silvio Moura, em 1923. Logo após, ficou conhecida a atuação de Osório Cesar, no Hospital Psiquiátrico Juqueri, utilizando-se de uma visão psicanalítica adquirida em seus estudos de Freud e Jung. Levou para o contexto psiquiátrico a pintura e a modelagem, e em 1943 é iniciada oficialmente a Oficina de Pintura (AATESP, 2010), em 1948 produziu a I Exposição de Arte do Hospital de Juqueri, no MASP, com desenhos produzidos espontaneamente pelos pacientes (ANDRIOLO 2003).
Em 1944, no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, RJ, chegava a psiquiatra Nise da Silveira. Apresentada aos demais médicos do local, ela se depara com tratamentos baseados em muitos remédios, choques elétricos, cardiazólicos e insulínicos, camisas de força e o isolamento dos pacientes com transtornos psíquicos. Diante dessas práticas, Nise se recusa a trabalhar desta maneira e acaba indo para a sessão de terapêutica ocupacional( AATESP, 2010.
O comum na época era transformar a terapia ocupacional em pretexto para forçar o trabalho dos pacientes, colocá-los para executar tarefas de limpeza e manutenção, por exemplo. Nise inicia uma revolução no hospital quando resolve transformar o espaço em um local de tratamento com manifestações artísticas por meio da pintura, desenho e modelagem.
Inspirada em Jung e Basaglia, Nise passa a analisar o trabalho dos sujeitos a partir das séries de obras produzidas por eles. Em cartas ela se correspondeu com Jung a respeito das mandalas criadas pelos pacientes, que posteriormente foram expostas no Museu de Imagens do Inconsciente.
Por meio deste trabalho humanitário foi dada a devida atenção aos fenômenos intrapsíquicos e as “imagens do inconsciente”, não só durante a psicose. A melhora dos pacientes era perceptível e foi narrada em livros pela psiquiatra, não apenas o resultado final das produções importava, o processo pelo qual a arte seria feita era de suma importância.
Notou-se no convívio com os pacientes o resgate da afetividade, alguns requisitavam a atenção de alguém ao seu lado, outros pintavam ao ar livre, alguns se identificavam com os animais, alguns com a música. Através do trabalho de Nise foi possível perceber que o indivíduo que está em sofrimento necessita de uma atenção diferenciada e única e não negligente, cada sujeito sente a sua maneira e não deve ser rotulado(SILVEIRA 2015).
Anos se passaram, mas os tabus que acompanham os sofrimentos psíquicos se mostram muito presentes ainda hoje. Embora a reforma psiquiátrica tenha colocado fim às instituições manicomiais, os centros de atendimento são colocados, em sua maioria, afastados dos centros urbanos e ainda há um apego muito grande aos diagnósticos e tratamentos embasados na medicalização.
Em oposição a isso surgem instituições como a ONG INVERSO,existente há mais de 14 anos, busca garantir o cuidado e os direitos dos portadores de transtornos mentais. A INVERSO é guiada por três vias fundamentais para proporcionar a inserção social e a visibilidade do tema, são eles a informação/ formação que é seguida pela frase “priorizamos a saúde e não a doença mental”, a cultura que visa desmistificar a percepção social acerca da loucura e a clínica e política.
Para a instituição há uma política de encontro como mecanismo clínico em cada uma das oficinas terapêuticas. A oficina de Intervenção urbana traz como base o empoderamento urbano, através do qual o indivíduo passa a se reconhecer e sentir parte da sociedade em que busca ser inserido, cada manifestação em meio público traz para o indivíduo a possibilidade de se sentir incluído e de transformar a visão social da loucura como uma potencialidade e uma diversidade humana a ser respeitada, seja através de cartazes, mosaicos ou blocos de carnaval.
Desta maneira, torna-se notável e necessária a continuidade da luta antimanicomial, ainda há muito a ser mudado no que concerne a percepção do louco em sociedade. A inclusão e o respeito devem ser chaves neste processo, a arte como porta voz deste mundo desconhecido deve ser amplamente difundida, visando oferecer a humanização dos tratamentos de portadores de transtornos psíquicos.
Já existem instituições admiráveis que fazem este trabalho, porém, cabe ao profissional recém formado, seja da psiquiatria, psicologia, terapia ocupacional, arteterapia ou das demais áreas, o engajamento em tais lutas para fazer disto uma das responsabilidades sociais de seu trabalho.
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