RPL - Revista Portuguesa sobre o Luto 5 | Page 21

sua vida ficou no Brasil, com sua pequena família, distante dos irmãos portugueses. Ela e minha mãe eram muito apegadas, a preocupação mútua das duas era muito grande. Lembro-me, quando criança, que às vezes minha mãe saía de casa e se atrasava um pouco, e minha avó ficava no portão aguardando seu retorno. Ou quando minha mãe adoecia, minha avó sofria demais e era muito pessimista – acho que era sua forma de se proteger do medo, sendo negativa. Assim, se o pior acontecesse, ela já estava de certa forma esperando.

E as duas, com esta simbiose de medos mútuos, viveram juntas por anos. O medo da minha mãe começou (ou aumentou) quando minha avó tinha 90 e poucos anos, e passou a ter algumas dificuldades. Viúva já há muitos anos, ela morava sozinha, em outra casa no mesmo quintal da casa dos meus pais. Mas havia um agravante, havia perdido a visão por causa de um glaucoma. Nesta época, pequenos acidentes começaram a acontecer, até que um dia ela caiu e fraturou o fêmur. Apesar de ter se recuperado rapidamente, desde então ela passou a morar na casa de meus pais. E a cada dia que passava, a preocupação de minha mãe aumentava... Era medo de cair, era medo de gripar, era medo de não comer... Minha mãe não verbalizava isso, apenas dizia que tinha pena de ver a mãe “naquele estado” (ou seja, sem a visão, envelhecendo, aos poucos também perdendo a

www.facebook.com/revistaRPL/

20