RPL - Revista Portuguesa sobre o Luto 5 | Page 20

O Luto Antecipado

Minha avó se foi aos 102 anos, quase 103. Faleceu durante a noite, dormindo, após pouco mais de duas semanas sentindo imensa fraqueza, quase sem levantar da cama, e com lapsos de memória. Posso dizer que foi uma partida tranquila, sem nenhuma doença grave, em casa, cercada por familiares. Ela faleceu na noite de 25 para 26 de dezembro, um dia após comemorarmos em família a noite de Natal. Na véspera de Natal, ela ainda saiu da cama e sentou-se conosco à mesa, na cadeira de rodas. Foi quase que uma despedida, sabíamos que o tempo dela aqui estava se esgotando: além da idade avançada, o corpo e a mente já demonstravam os sinais disso.

Nesta ocasião, estávamos todos apreensivos pelo estado dela, claro. Mas para falar a verdade, o medo do dia da partida chegar, nos acompanhou por anos. Este sentimento de perda, este medo, não aconteceu somente nos últimos dias, quando soubemos que de fato a hora da despedida estava chegando... Esta angústia se estendeu por longos dez anos. O medo da separação foi um fantasma que perseguiu, a mim e à minha mãe, por cerca de uma década.

Minha avó era portuguesa, parte de uma grande família com dez irmãos. Casou-se com meu avô, brasileiro, e veio sozinha com ele para o Brasil. Teve uma única filha, minha mãe. Ou seja, a maior parte de

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