RPL - Revista Portuguesa sobre o Luto 1 | Page 7

relação à própria maternidade. Numa segunda fase, a tarefa é a de aceitar a realidade do feto, ou seja, reconhecer o feto como um ser que irá eventualmente separar-se da mãe. Pode dizer-se que é nesta fase que a vinculação mais precoce se inicia, pois agora existe outra entidade distinta de si mesma, e, por isso, a possibilidade de uma relação. Por fim, na terceira e última fase, os pais começam a encarar o futuro filho como indivíduo, cada vez mais separado e real, e este contribui para a sua própria individualização através de movimentos, ritmos e níveis de actividade distintos” (Tavares, 2013:4).

Existe uma intensa componente de mudança biológica, social e psicológica associada a todas as fases que envolvem o projecto de maternidade. Reconhecendo que a forma e a abrangência de mudança seja distinta em cada estágio, e dependa da estrutura de cada individuo que o vivencia, leva-nos a crer que as alterações não sejam constantes e/ou consistentes com uma hierarquia defina mas, antes, projectadas de forma subjectiva mas efectiva nos indivíduos.

Dentro deste quadro, um conjunto de autores sublinham a existência do receio que se encontra adjacente a este período, traduzindo a dúvida legítima associada à gestação de uma nova vida - “é rara a mulher que nunca se interrogou como seria se algo corresse mal com o bebé, e este medo encontra-se presente desde que a mulher tem conhecimento da sua gravidez” (Pereira, 1998; Stern & Bruschweiller-Stern, 2000 in Tavares, 2013:5) . Contudo, com a propagação significativa da sociedade de informação, e tendo em conta os desenvolvimentos médicos e tecnológicos que acompanham o período pré-natal, assistimos à construção de uma relação de confiança que reduz as zonas de tensão existentes associadas à maternidade e, por outro lado, a desconstrução de dúvidas e a estabilização do período pré-natal. Como refere Paula Remoaldo,

“depois de Portugal ter revelado uma espectacular descida, principalmente desde os anos setenta do século XX, dos índices sanitários mais representativos do estado de saúde da sua população e do seu grau de desenvolvimento sócio-económico, com particular destaque para a Taxa de Mortalidade Infantil, novos desafios se equacionam nos primórdios do século XXI. Na realidade, actualmente Portugal apresenta já uma das mais baixas Taxas de Mortalidade Infantil e de Mortalidade Materna à escala mundial (...)” (Remoaldo, 2005:553).

Porém, um conjunto de factores de ordem cultural, física, biológica, económica e psicosocial podem concorrer para que, mesmo dentro deste quadro de maior estabilidade, existam acontecimentos inesperados que alterem o planeamento da maternidade, legitimando as dúvidas referenciadas. Neste contexto, iremos centrar a nossa atenção na perda perinatal como o acontecimentos limite. A morte perinatal refere-se

“(...)às perdas decorrentes entre as 20 semanas de gestação e os primeiros sete dias após o nascimento. Esta engloba a morte fetal (morte do bebé durante o último trimestre de gravidez, dentro do útero), a morte à nascença e a morte neonatal (morte do bebé pouco tempo após o nascimento). A principal causa deste tipo de morte é a prematuridade.” (Rolin & Canavarro, 2001 in Tavares, 2013:13)

Em Portugal, os nascimentos prematuros em 2014 representam cerca de 8% do total anual . Se, só por si, o nascimento prematuro transporta uma carga negativa justificável,

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