Eu não tive a oportunidade de conhecer o Igor. Qual seria sua comida predileta? Que brincadeira lhe agradaria mais? Que motivos lhe fariam se divertir ou se assustar? Que jeitinho teria na hora de falar, de se vestir ou de fazer traquinagens? Não saber responder essas perguntas também não dói? Qual dor é pior? Acho que não devemos comparar nem competir. Cada dor tem seu tamanho e sua profundidade, e depende de múltiplos fatores. Toda dor é única e deve ser respeitada. Ninguém que tentou me consolar quis me faltar com o respeito. Por isso, não fiquei chateada, assim como espero que não se chateiem com as minhas observações, que considero importante não omitir, para que saibam que muito provavelmente outras mães e outros pais também não vão gostar de escutar algumas das coisas que escutei.
Quero esclarecer que é muito comum ocorrer esse engano, com quem nunca perdeu um filho. Apenas quem não passou por tal episódio é que pode se enganar, já que não teve a oportunidade de verificar a ilusão do pensamento que leva a crer que a idade do filho que morreu influencia na intensidade da dor provocada pela sua morte. A intensidade é variável por influência de diversos aspectos, mas a idade do filho não é uma delas. Os pais que choram pela morte de um filho de vinte anos, choram pela saudade dos vinte anos que passaram com ele, e somada a essa dor também está a dor relativa aos outros quarenta anos que não irão mais poder passar com ele, no futuro. Por outro lado, os pais que choram pela partida de um filho que morreu antes, durante ou logo após o parto, não podem chorar pela saudade dos anos que passaram com ele, pois esse tempo não existiu, mas isso não faz sua dor ser inferior, porque, em compensação a dor pelos anos que não poderão passar com o filho, no futuro, abarca um período maior do que o período que os outros pais foram privados de viver. De modo que, no final das contas, o somatório tem resultado equivalente.
Se perder um filho mais cedo fosse realmente melhor do que perder um filho mais tarde, será que os pais de pessoas que morreram adultas diriam que prefeririam que elas tivessem morrido na infância, pois assim teriam se envolvido menos? Acho que elas fariam questão de qualquer segundo a mais que fosse permitido passar junto de quem amavam. Se tivesse tido a chance de escolher se queria ficar seis meses com meu filho e, depois desse prazo, ele morresse de outra forma, acredito que não me arrependeria de ter optado por ganhar esse tempo ao seu lado, pois quando algo é muito bom, ter pouco daquilo é melhor do que nada, ainda que se quisesse ter mais.
Flavia Camargo, 34 anos
Mãe do Anjinho Igor
Autora do Livro Quatro Letras
Rio de Janeiro (Brasil)
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