ARTIGO
que os eleitores do campo azul só
queriam falar de política, melhor
dizendo, de “enterrar a política”, e
não escondiam a frustração e a re-
volta com o PSDB, o discurso sobre
os temas de uma eleição normal -
emprego, saúde, educação, seguran-
ça - encontrou ouvidos moucos pela
raiva embutida na indignação, que a
neuropolítica aponta como combus-
tível premium das opções radicais
(Marcus, 2017). Nesse contexto,
valeu pouco o tempo de propagan-
da que o centrão lhe aportou. Em
1989 e 1994, ainda sem internet, o
grande tempo de TV também não
conseguira compensar a contramão
política das candidaturas do PMDB.
Apoderando-se do voto à direita o
capitão deputado apoiado por dois
partidos nanicos só dispunha de 18
segundos diários, fragilidade con-
trabalançada pela presença regular
nos noticiários, exponencializada
após o ataque que o deixou no hos-
pital a maior parte do tempo e pela
campanha espontânea de milhões
de seguidores entusiasmados que
lhe garantiram o predomínio nas re-
des sociais.
Mesmo calado, desfrutava de gran-
de força simbólica como antípoda
ideal do sistema. Como uma par-
ticipante de grupo focal em São
Paulo sintetizou: “ele representa a
minha vontade de ir a Brasília e es-
ganar todos aqueles políticos”. Para
o futuro, do ponto de vista estrito
do sistema partidário eleitoral, o
grande desafio é imaginar o que terá
lugar daqui a quatro anos no reino
azul: uma eleição “contra-desvian-
te” ou assistiremos a consolidação
do realinhamento crítico? Nessa se-
gunda hipótese, teremos um novo e
grande partido como na Itália sob
Berlusconi, com o Força Itália após
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Revista SESVESP
a operação Mãos Limpas, e na Fran-
ça onde o partido de Macron subs-
tituiu os Republicanos no leme da
centro-direita, ou o bolsonarismo
será encapsulado por partidos tra-
dicionais? O PFL não conseguiu
incorporar Fernando Collor, assim
como a UDN não teve êxito no pas-
sado mais remoto em domesticar o
fenômeno Jânio Quadros. Há fortes
sinais do encerramento de um ciclo
cujos contornos iniciais haviam se
formado na primeira eleição presi-
dencial pós-redemocratização. Ela
também uma “eleição crítica”, tra-
vada em meio à inflação galopante,
confronto ideológico, governo im-
popular e grande número de candi-
daturas.
Em 1989 foi redefinida a represen-
tação efetiva dos campos político
ideológicos na competição pelo
executivo federal, mudando de pon-
ta cabeça a configuração desenha-
da pela eleição de governadores e
congressistas de 1986. A esquerda
substituiu por décimos o PDT pelo
PT (16,5 % x 17,2%) que a partir daí
assumiria a guarda do reino verme-
lho embalado pelos 48% que Lula
alcançou no segundo turno trazen-
do a reboque o brizolismo. O cen-
tro trocou o PMDB - rejeitado pelo
insucesso da Aliança Democrática e
repudiado pelo estelionato eleitoral
de 1986 - por sua costela esquer-
da, o PSDB, cujo candidato Mário
Covas teve mais que o dobro dos
votos da figura icônica de Ulysses,
(11,5% contra 4,7%). Reposicio-
nados aos olhos do mercado ainda
naquela campanha com o famoso
discurso “Choque de Capitalismo”
e depois pelo Plano Real, os tucanos
seriam os representantes únicos do
centro e da direita nas seis eleições
subsequentes, alimentando-se da
polarização com o petismo.
O PMDB, sem entender o que ocor-
rera, tentou disputar a presidência
em 1994, repetindo o resultado an-
terior. A partir do que optaria por
um papel coadjuvante, o que só veio
a ser interrompido em decorrência
do impeachment. Também houve
naquela eleição uma troca de guar-
da à direita. O candidato Aureliano
Chaves, do PFL formado pelos dis-
sidentes do regime militar para via-
bilizar a transição, pagou o preço da
grande impopularidade do primeiro
governo democrático e cristianiza-
do como Ulysses teve uma votação
inexpressiva (0,9%). A direita abra-
çou Collor entusiasmada, ajudan-
do a sagrá-lo vitorioso no segundo
turno e participando ativamente do
governo. Viria o impeachment dois
anos depois e nunca mais o PFL,
rebatizado DEM, disputaria a pre-
sidência, reservando-se à condição
de aliado preferencial dos tucanos.
A partir daquela disputa, cuja frag-
mentação recorde facilitou as ultra-
passagens, as forças políticas reo-
rientaram sua estratégia. Nasceram
ali as raízes da polarização binária
que conferiu estabilidade ao siste-
ma político eleitoral durante vinte
anos (1994-2014). Normalidade
que se desvaneceu nesse ano quan-
do o Brasil elege o presidente que a
crise escolheu
* Sociólogo e cientista político.
Autor de Democracia nas Urnas
(1991) e Emoções Ocultas e Estra-
tégias Eleitorais (2009)