Revista Sesvesp Ed 143 | Page 22

ARTIGO que os eleitores do campo azul só queriam falar de política, melhor dizendo, de “enterrar a política”, e não escondiam a frustração e a re- volta com o PSDB, o discurso sobre os temas de uma eleição normal - emprego, saúde, educação, seguran- ça - encontrou ouvidos moucos pela raiva embutida na indignação, que a neuropolítica aponta como combus- tível premium das opções radicais (Marcus, 2017). Nesse contexto, valeu pouco o tempo de propagan- da que o centrão lhe aportou. Em 1989 e 1994, ainda sem internet, o grande tempo de TV também não conseguira compensar a contramão política das candidaturas do PMDB. Apoderando-se do voto à direita o capitão deputado apoiado por dois partidos nanicos só dispunha de 18 segundos diários, fragilidade con- trabalançada pela presença regular nos noticiários, exponencializada após o ataque que o deixou no hos- pital a maior parte do tempo e pela campanha espontânea de milhões de seguidores entusiasmados que lhe garantiram o predomínio nas re- des sociais. Mesmo calado, desfrutava de gran- de força simbólica como antípoda ideal do sistema. Como uma par- ticipante de grupo focal em São Paulo sintetizou: “ele representa a minha vontade de ir a Brasília e es- ganar todos aqueles políticos”. Para o futuro, do ponto de vista estrito do sistema partidário eleitoral, o grande desafio é imaginar o que terá lugar daqui a quatro anos no reino azul: uma eleição “contra-desvian- te” ou assistiremos a consolidação do realinhamento crítico? Nessa se- gunda hipótese, teremos um novo e grande partido como na Itália sob Berlusconi, com o Força Itália após 22 Revista SESVESP a operação Mãos Limpas, e na Fran- ça onde o partido de Macron subs- tituiu os Republicanos no leme da centro-direita, ou o bolsonarismo será encapsulado por partidos tra- dicionais? O PFL não conseguiu incorporar Fernando Collor, assim como a UDN não teve êxito no pas- sado mais remoto em domesticar o fenômeno Jânio Quadros. Há fortes sinais do encerramento de um ciclo cujos contornos iniciais haviam se formado na primeira eleição presi- dencial pós-redemocratização. Ela também uma “eleição crítica”, tra- vada em meio à inflação galopante, confronto ideológico, governo im- popular e grande número de candi- daturas. Em 1989 foi redefinida a represen- tação efetiva dos campos político ideológicos na competição pelo executivo federal, mudando de pon- ta cabeça a configuração desenha- da pela eleição de governadores e congressistas de 1986. A esquerda substituiu por décimos o PDT pelo PT (16,5 % x 17,2%) que a partir daí assumiria a guarda do reino verme- lho embalado pelos 48% que Lula alcançou no segundo turno trazen- do a reboque o brizolismo. O cen- tro trocou o PMDB - rejeitado pelo insucesso da Aliança Democrática e repudiado pelo estelionato eleitoral de 1986 - por sua costela esquer- da, o PSDB, cujo candidato Mário Covas teve mais que o dobro dos votos da figura icônica de Ulysses, (11,5% contra 4,7%). Reposicio- nados aos olhos do mercado ainda naquela campanha com o famoso discurso “Choque de Capitalismo” e depois pelo Plano Real, os tucanos seriam os representantes únicos do centro e da direita nas seis eleições subsequentes, alimentando-se da polarização com o petismo. O PMDB, sem entender o que ocor- rera, tentou disputar a presidência em 1994, repetindo o resultado an- terior. A partir do que optaria por um papel coadjuvante, o que só veio a ser interrompido em decorrência do impeachment. Também houve naquela eleição uma troca de guar- da à direita. O candidato Aureliano Chaves, do PFL formado pelos dis- sidentes do regime militar para via- bilizar a transição, pagou o preço da grande impopularidade do primeiro governo democrático e cristianiza- do como Ulysses teve uma votação inexpressiva (0,9%). A direita abra- çou Collor entusiasmada, ajudan- do a sagrá-lo vitorioso no segundo turno e participando ativamente do governo. Viria o impeachment dois anos depois e nunca mais o PFL, rebatizado DEM, disputaria a pre- sidência, reservando-se à condição de aliado preferencial dos tucanos. A partir daquela disputa, cuja frag- mentação recorde facilitou as ultra- passagens, as forças políticas reo- rientaram sua estratégia. Nasceram ali as raízes da polarização binária que conferiu estabilidade ao siste- ma político eleitoral durante vinte anos (1994-2014). Normalidade que se desvaneceu nesse ano quan- do o Brasil elege o presidente que a crise escolheu * Sociólogo e cientista político. Autor de Democracia nas Urnas (1991) e Emoções Ocultas e Estra- tégias Eleitorais (2009)