ARTIGO
COTA DE CONTRATAÇÃO DE EGRESSOS DO
SISTEMA PRISIONAL PELAS EMPRESAS
PODE SER QUESTIONADA JUDICIALMENTE
A
ministra do STF Carmen
Lúcia, exercendo a presi-
dência da República por uns
poucos dias, assinou o De-
creto 9.450, louvando-o como norma
socialmente avançada, meritória, que
ajudará na ressocialização de presos e
egressos do sistema prisional e como
meio da inserção destes no mercado
de trabalho. Empresas que participam
de licitações para prestar serviços a
União doravante terão que ter cota de
egressos na mesma proporção, apro-
ximadamente, a já imposta pelas leis
do deficiente e aprendiz. A empresa
vencedora da licitação, enfim, deverá
ter uma parcela de empregados vin-
dos do sistema prisional. Nos editais
de licitação, haverá a previsão da
contratação dessa cota de funcioná-
rios. A medida vale para contratação
de serviços com valor anual acima de
R$ 330 mil.
Nem todos os detentos terão o direi-
to de participar da iniciativa. Devem
“...mas não
esqueçamos que
as empresas já
têm que cumprir
não só a cota de
deficientes, mas
também a de
aprendizes”
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Revista SESVESP
ser autorizados pelo juiz da vara de
execução penal, ter cumprido, no mí-
nimo, um sexto da pena, e comprovar
aptidão, disciplina e responsabilida-
de.
Deverão ser reservados aos presos ou
egressos 3% das vagas quando o con-
trato demandar 200 funcionários ou me-
nos; 4% das vagas, no caso de 200 a 500
funcionários; 5% das vagas, no caso de
501 a 1.000 funcionários; e 6% quando
o contrato exigir a contratação de mais
de 1.000 funcionários. É possível discer-
nir no decreto a necessidade de criação
de dezenas de atividades e mais de dez
documentos para lidar com os trâmites
necessários. E ele passa a vigorar na data
de sua publicação.
Analisando esse comando do ponto de
vista global, é possível questioná-lo de
vários ângulos: o político, o econômi-
co, o ético, o social e o judicial.
Isoladamente, a lei até poderia ser to-
mada como positiva, seus objetivos são
elogiáveis, mas não esqueçamos que as
empresas já têm que cumprir não só a
cota de deficientes, mas também a de
aprendizes. Como consequência, o
número de contratações obrigatórias
de trabalhadores nem sempre prepa-
rados, nem sempre no perfil adequa-
do, que não têm condições de contri-
buir para montar equipes harmônicas
e competentes, aumentou despropor-
cionalmente.
Por outro lado, também é de se espe-
rar que essa imposição será aplicada
da mesma forma que a lei do defi-
ciente. O Poder Público não faz nada
que essa lei lhe impõe: não prepara
Percival Maricato, advogado do SESVESP
a mão de obra para o mercado, não
diz onde encontrar deficientes, sequer
sabe quantos são os aptos a trabalhar
e quantas vagas existem no mercado.
Apenas obriga as empresas a cum-
prirem sua parte. Como o inquina-
do decreto, mais uma vez transfere
custos e problemas para a iniciativa
privada, sem qualquer contraparti-
da (tanto como vem acontecendo na
saúde, educação, segurança, etc). As
empresas ainda terão que lidar com
os problemas e detalhes na aplicação
das três cotas: a burocracia, o aten-
dimento de fiscais específicos, preen-
chimento de mais algumas dezenas
de documentos, perdem competitivi-
dade, ficam engessadas, têm que ad-
mitir novo aumento de custos.
E, mais uma vez, a norma peca pela