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generalização, que deverá criar outros tipos de problemas. Os serviços terceirizados são prestados em empresas tomadoras. Elas já terão seus egressos; admitirão os da terceirizada?

“ Uma empresa de segurança ou limpeza de mil funcionários terá que ter 50 aprendizes, 50 deficientes, 60 egressos do sistema penitenciário.”

O decreto não previu conflitos com situações particulares, como a das empresas de Segurança Privada, que participam intensamente de licitações. Elas lidam com a vida e segurança das pessoas e patrimônios. Normalmente, os vigilantes têm acesso a armas de fogo. Além disso, têm que fazer um curso específico e, para fazer esse curso, há uma lei que exige certidão de antecedentes impecável e a Polícia Federal exige seu cumprimento. O vigilante tem que ter uma conduta irrepreensível ou perderá o direito de exercer a profissão. Não é crível que se admitam egressos do sistema penitenciário, dezenas deles, no casos das empresas maiores, circulando por locais onde há depósito de centenas de armas ou de valores elevados, ou mesmo fazendo segurança de um banco, ao lado de outros colegas. Estes, que já correm riscos normais, os aceitarão com naturalidade? Uma autoridade aceitará que um cidadão nessas condições vá proteger sua família de uma facção criminosa que o ameaça? Note-se que quem elaborou o decreto pelo menos teve o bom senso de vetar a contratação desses vigilantes para a segurança de presídios, certamente por reconhecer a delicadeza da realidade que deve ser enfrentada. Outra distorção se dará com o fato de que empresas de porte menor, muitas já inclusas no“ Simples”, terão menos custos neste item, como já ocorre com deficientes e aprendizes, dificultando às maiores, geralmente mais capacitadas, que mais empregam, pelo menos as maiores formais, participarem dos certames, pois estas jamais poderão oferecer preços competitivos, especialmente na área de serviços, sabidamente de mão de obra intensiva. Uma empresa de segurança ou limpeza de mil funcionários terá que ter 50 aprendizes, 50 deficientes, 60 egressos do sistema penitenciário. Se a proporção já é absurda, pior ainda fica quando se sabe que os setores administrativos, onde devem ficar no mínimo a maioria desse contingente todo, tem administrações que não chegam a 80 funcionários. E mais assustador ainda: o decreto entrou em vigor sem dar um único dia para as empresas se adequarem, contratarem. Aqui temos outro absurdo que não precisa ser advogado e nem empresário para perceber a inviabilidade de cumpri-lo. Mesmo que fosse possível, como ficam os contratos? Afinal, quando participaram das licitações, as empresas não tinham como prever mais estes custos, que geram desequilíbrio econômico. Terão que demitir funcionários existentes e contratar outros, e sem treinamento? O Poder Público já tem condições de atender as obrigações que a norma lhe impõe? Pode apresentar relação de milhares de funcionários aptos, inclusive com“ comprovação de

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aptidão, disciplina e responsabilidade”? Trata-se de uma flagrante irresponsabilidade que uma norma federal seja elaborada e posta em vigor por uma ministra do STF em tais condições. Enfim, empurrou-se para o setor privado, mais uma vez, um problema grave do setor público, que sabidamente não cuida como deveria dos presos. Certamente o legislador não percebeu essas distorções todas por discutir cada lei isoladamente, e em épocas distintas, com anos de separação. Quando a lei 8.666, que prevê a possibilidade de obrigar empresas a empregar ex detentos, lei que o decreto visa regular, foi aprovada, em 2003, a lei do deficiente engatinhava e a do aprendiz inexistia. Fica exposta, evidente a intervenção abusiva do Poder Público sobre a atividade privada, ferindo os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Afinal, o uso das empresas em atividades de integração, responsabilidade social, filantropia, defesa de meio ambiente, etc, tem sua razão de ser, mas nos limites das possibilidades das empresas, da razoabilidade, da absorção sem choques econômicos deletérios e quiçá fatais. Evidente que, para algumas será até impossível cumprir a lei, mesmo que o Poder Público faça sua parte, preparando a mão de obra, dizendo onde e como contratá-la e etc( o que todos sabemos, não fará). Haverá as distorções ora apontadas, novas batalhas judiciais e dificilmente se reduzirá o crescimento das facções criminosas, pois isso exige, principalmente, desenvolvimento econômico, renda, produtividade, empregos, etc. E o decreto vai no sentido contrário a essas metas, enfraquecendo e engessando o que ainda funciona no país.
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