REVISTA RABISCOS DE CONTOS Revista Rabiscos de Contos IFBA | Page 15
rabiscos de
contos
Mãe
Elias Lion
Diogo, moleque nascido na Penha, zona leste de São Paulo. Aos três anos, teve que se
mudar de onde morava. Sua mãe, solteira, com um promissor vagabundo, passava uma
dificuldade financeira muito grande, e não conseguia mais pagar as despesas sozinha.
Guarulhos era sua nova cidade agora. Sua vó, de 65 anos, cedeu a casa dos fundos, que
foi construída com intuito de fazer um barracão. Era sua nova residência. Sua mãe,
trabalhadora, sem ao menos o ensino fundamental completo, dava o sangue para sustentar
Diogo e seu irmão. Passaram-se alguns anos e Diogo já estava mais maduro, e conseguia
entender o que tinha acontecido antes de se mudarem. As coisas não tinham melhorado,
mesmo longe do aluguel. Sua mãe a cada vez mais se submetia a empregos pesados.
Diogo olhava tudo aquilo e sentia ódio de tanta humilhação que passava. Mas era
impressionante como ela carregava um sorriso e não se abalava. Mesmo chorando pelos
cantos às vezes, conseguia passar felicidade para seu filho, que sentia a dor de ver o peso
do mundo nas costas de uma mulher.
Em 2011, seu irmão, de 28 anos, que não teve uma base escolar muito boa por conta das
dificuldades, e pelo fato da morte de seu pai, entrou na vida do crime, e acabou sendo
preso por roubo à mão armada. Tudo isso levou Diogo a cair na depressão. Foram
momentos mais difíceis ainda para os dois, que ficavam em casa vendo seu irmão ser
transferidos para vários CDPs (Centro de Detenção Provisório) e, por fim, transferido
para a penitenciaria de Reginópolis 2. Não conseguiam vê-lo com frequência, pelo fato
de ser muito longe. A única pessoa que ia ver seu irmão era a mãe. Sua depressão já estava
entrando em estado profundo, a ponto de passar a pensar em suicídio. Começou a tomar
remédios e ir ao psicólogo. Com o tempo, foi melhorando, e passou a admirar mais ainda
sua mãe. Ele se perguntava de onde ela tirava forças para continuar sua luta diária,
carregando seu passado. Trazia com ela suas marcas de cesárias, cicatrizes, estrias,
varizes, crises... Guerreira mesmo é quem enfrenta a vida como um tanque de roupas
sujas. Para ela, não teve amaciantes. Passaram-se alguns anos e, com a saída de seu irmão
da cadeia, Diogo acaba se livrando da vontade de morrer, pois sua volta trouxe felicidade
para ele e sua mãe.
Sua mãe sempre falava que o estudo era o melhor caminho, e mesmo em meio às
dificuldades, hoje Diogo estuda em um colégio federal. Para a mãe isso é motivo de muito
orgulho. Atualmente mora em Salvador. A mãe continua sua vida com seu irmão em São
Paulo. Só se falam por ligação, e em cada uma delas uma lagrima é derramada. Os dois
sabem, porém, que ele está fazendo isso por ela e por seu irmão, pois eles merecem o
melhor que a vida pode oferecer. Por isso, a cada dia enfrentam a dor da saudade, pois
sua mãe só quer que seu filho volte para São Paulo formado. Uma lição de sua mãe que
Diogo leva no peito é: nunca desista de seus sonhos e seja sempre forte. Ainda temos que
sonhar por um tempo em que as “mina” não tenham que ser sempre tão “fortes”.
14