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LiteraLivre Edição Especial nº 1
instigar pena.
Mais triste ainda é sua inércia. Passa o tempo todo ali, naquela mesma escada,
olhando sem perceber, o sobe-e-desce das pessoas. Às vezes encolhe-se,
tomba o corpo de lado para dar lugar a um passante mais descuidado,
estabanado. Dali só sai para ir ao barraco pegar um pão, e quando escurece.
Nem à escola vai! O pai, aborrecido, decepcionado, achou melhor nem tentar a
matrícula. A escola do sertão era tão fraca que Cassiano não tem condição de
acompanhar o estudo daqui.
Cassiano até que gostou! Não tem mesmo ideia pra aprender nada, ainda mais
aqui! Só faltava ter que ir pra escola! Seria em outra situação e mais uma vez,
um peixe fora d’água.
Em meio a tudo isso, nessa aflição, ainda tem o direito de ficar ali, sentado,
parado. Graças a Deus não é exigido pra nada! Não tem ânimo mesmo! Se
bem que é torturante ficar ali, remoendo todos aqueles martírios na cabeça,
mas que fazer?! Dos males, o menor... Duro mesmo deve ser o dilema do pai!
Afinal, ele deve se sentir responsável por todo esse transtorno.
Cassiano pensa no pai... Hoje ele saiu cedo, como quase todos os dias. Nem
imagina o que ele faz pelas ruas. Diz que vai à procura de emprego, mas...
Inutilmente. Sempre volta arrasado, mais desiludido que quando saiu.
No começo, quando chegou, Cassiano ainda se animava em subir, à noite, até
o barraco de Dona Guidinha e passar os olhos pela televisão. Mas eram tantas
crianças que se juntavam à porta, faziam tanto barulho que mal dava para
Cassiano ouvir o som que saia do aparelho. Não podia reclamar, ia contra a
corrente e ali no morro, ou se é mais um ou está morto. Cassiano preferiu se
calar. Conhecia bem a política do morro e, aos poucos, foi abandonando o
passatempo. Agora, bastava escurecer e ele já se deitava.
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