Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - Edição Especial 01 | Page 55

LiteraLivre Edição Especial nº 1 pai já não está engolindo tudo isso! Cassiano percebe que o velho fica ainda mais abatido quando, vendo a filha sair, encosta-se à porta do barraco e deixa os olhos correrem pela escada, vendo-a desaparecer na penumbra, lá embaixo. Se pelo menos não pintasse tanto o rosto, não usasse aquela água de cheiro tão forte! Cassiano entende tudo, não pode afirmar nada, mas tem a liberdade de, pelo menos em pensamento, maquinar suas premissas. Aliás, é isso que faz o tempo todo! A lógica é uma constante. Tem os pés no chão. Não é dado a aventuras. Por ele nunca teriam arredado pé do mato. Lá estava a dignidade. Pobreza não é a morte, pior que ela é a indignidade da vida que levam agora. Pai teimoso! Não é teimoso... É descabidamente sonhador, só isso! Pensava ter na cidade grande a mola mágica para o sucesso. Não vacilou em vender toda a colheita, pedir as contas, botar os trens num caminhãozinho alugado e rumar para cá. Nem precisa dizer que o dinheiro não deu nem para o começo! Foi suficiente apenas para comprar o barraco. Chegou todo animado e sonhou até com a compra de uma casa! Andava de corretor em corretor, com o dinheiro embolado nos bolsos. Não demorou a se decepcionar e tentar, pelo menos tentar, pôr os pés no chão. E foi este barraco que conseguiu pagar. Desde então, só Deus sabe da penúria. A comida, minguada, como podia... Agora, com o emprego da mãe, pelo menos pão não falta. Leite? Só no sonho... Perceptível até para olhos menos detalhistas, a fome que os aflige. A magreza cadavérica do pai, o raquitismo de Cassiano, com braços demasiadamente longos, evidenciados pela extrema fragilidade do corpo. As pernas, sequiosas de carne, deixam os joelhos saltados, salientes, desproporcionais. O calção nem lhe para na cintura, vive caído, à altura dos quadris e, consequentemente, quase lhe cobrindo os joelhos. Figura triste aos olhos! Tremendamente frágil, chegando mesmo a 50