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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Não é coisa nova, o fato de substituir uma muralha com uma ponte levadiça...
Lembro-me de quando era garoto e os nossos jogos de guerra recordavam os
torneios dos cavaleiros das "idades escuras". Havia pontes levadiças de castelos.
Então crescemos e os jogos ficaram mais realistas. As muralhas voltaram: em
Berlim, após em Chipre, Sara Ocidental, Jerusalém, na fronteira do México.
Poucas dessas barreiras caíram.
Minha cidade ainda está cheia de muralhas compridas, cobertas com frascos de
vidro, mas são apenas os restos do passado, barreiras desnecessárias, erguidas
em torno de fábricas que não existem mais.
Parece que os meus concidadãos não sabem derrubar as muralhas que se
tornaram inúteis. Eles as usam para esconder novas realidades marginais, como
uma governanta que varre o chão e não limpa, mas esconde a sujeira debaixo do
tapete.
Essa muralha é uma sobrevivente. Hoje, mais de trinta anos após o
encerramento da fábrica, já não protege nada e ninguém, separa apenas a
realidade cotidiana e o pesadelo de sua negação, a "não-realidade". Atrás de
seus tijolos, há apenas campos de ruínas parcialmente derrocadas e solos
impregnados de produtos químicos, precisando de ser recuperados, armazéns em
abandono, resíduos de arqueologia industrial, que ninguém pretende restaurar. A
muralha protege um monumento autêntico do absurdo: vinte hectares de "sem
cidade" e "nenhum país", uma verdadeira cicatriz no coração do desenvolvimento
urbano. Falta-lhe só a palavra. Eu acho que nem sempre é necessário derrocar as
muralhas. Gostaria que esta fosse preservada, como uma lembrança do século
das indústrias, e que, por trás disso, os antigos armazéns restaurados poderiam
oferecer o espaço para um lugar de exposições.
Os armazéns e as chaminés das antigas usinas industriais são considerados
monumentos da arqueologia industrial. Penso que os verdadeiros monumentos
do passado são precisamente aquelas muralhas que separaram a cidade dos
vivos das "cidades do trabalho". Não derroquem essas muralhas. Em seu lugar,
poderia ficar um lugar vazio, e já não saberíamos como enchê-lo, talvez
tenhamos que nos arrepender.
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