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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
A Avenida
Alan Cardoso
Niterói/RJ
“Já não se ouvem as festas de carnaval há muito tempo. O Rio de Janeiro não é
mais o mesmo. Desde que os teocratas assumiram o poder os muros são cinzas e
as avenidas silenciosas. Jamais se viu país mais unido; pelo motivo errado, no
entanto”
— Ô Marta, você vai? - disse uma voz masculina pelo telefone.
—Porra, Júlio. Já disse que não sei, cara. Tô meio enrolada. Não sei.
“A nação se ergueu como um monstro, o fascio estava muito bem amarrado.
Primeiro tiraram nossas cores, depois nossas religiões e por último nossa festa”
Marta desligou abruptamente o telefone, tirou da face suada os densos
cabelos negros e checou pela fresta diante de si, nervosa. A rua estava
morbidamente quieta e o sol cobria tudo com uma película de brilhante ardor. A
criança chorou.
—Quietinho, meu amor. Quietinho. Papai já vai voltar.
“A arte foi proibida. O único livro que podemos ler é a bíblia e a única música que
ouvimos é a sirene das praças anunciando o horário das orações obrigatórias.
Temíamos uma distopia, hoje tememos respirar. Estou sozinha com meu bebê e
nada mais me faz lutar senão o desejo de um futuro melhor para ele”
O barraco ficava cada vez mais quente e os pedaços de papelão cobrindo
todas as janelas impediam o ar fresco de circular. Marta estava atônita: Adão
sumiu há dias. Levou somente o cavaquinho bem escondido na maleta e sua fé
em Zé Pelintra. Deixou para trás uma dúzia e meia de poemas, um romance meio
terminado, uma casa meio caída e o coração de Marta totalmente aflito.
Foooooooooooom. Soou estridente a sirene. A criança tornou a
choramingar. Marta calçou as sandálias e bateu a sujeira de seu vestido amarelo.
Abriu com o temor de sempre a porta improvisada. Na rua estavam todos,
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