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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
contratempos: a poeira, as freadas assustadoras, os atropelamentos, a insônia.
Aguentamos firmes por seis anos. Até que o papai construiu outra casa. Fomos
todos para a Vila Oeste, casinha gostosa, lugar aparentemente mais tranquilo.
Como disse, sempre quis voltar a minha casa inicial, desde aquela manhã
quando saí para a aula. Cursava Eletrotécnica no CEFET/MG. Saí cedo enquanto a
mudança para a nova moradia estava começando. Quando retornei, no início da
noite, o portão estava trancado. No lugar, mais nenhuma xícara, uma única peça
de roupa, um livro. Segurei nas grades, numa firmeza de saudade. No escuro
senti a rampa de pedras que se estendia à minha frente, revestida com a solidão
do abandono. Há quase trinta anos não me despedi da casa.
Hoje, através da Internet, com o programa Google Earth, parti da minha
casa em Contagem e fiz todo o trajeto até a moradia inicial. Foi uma viagem.
Apesar de virtual, levou um pequeno tempo, concentração e ansiedade. Parti da
Rua Maria José da Rocha, fiz um pequeno trajeto até pegar a Avenida João César
de Oliveira (principal em Contagem), percorri toda ela. Passei por vários bairros
para chegar à antiga Biscoito Cardoso. Peguei a Avenida Amazonas e segui até as
proximidades do meu objetivo. Levei certo tempo para identificar a casa, da
frente. Ainda existem as duas árvores sobre a calçada larga. Focalizei, aumentei
o zoom. Visualizei a parte da área sobre a casa, no segundo andar, onde tantas
vezes rodei de bicicleta, protegida apenas por uma mureta de tijolos vermelhos.
Fui para os fundos procurar o telhado da antiga casa. Que surpresa! A casa não
está mais lá. Apenas um terreno árido, plano, sem nenhuma construção e o
muro, cujo limite é a rua pavimentada sobre o Córrego Tijuca, canalizado.
Fiquei com uma dor no fundinho do peito. Onde foi parar o fogão a lenha
da Dinha? O quarto do papai com a vidraça de tranca de ferrolho? O corredor que
tanto medo nos causou à noite? Tudo no chão. A casa caiu! Talvez através das
pás impiedosas de um trator enfurecido. Talvez por fragilidade das vigas e
estruturas que se romperam por não suportar o peso de tantos guardados, de
alguma dor e muitas alegrias.
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