LiteraLivre n º 9 – Maio / Jun de 2018
do cheiro ruim do córrego e dos porcos que o papai os engordava para o Natal, em um chiqueiro de ferro. Por falar nisso, quando não havia porcos, mamãe lavava o chiqueiro com creolina e muita água. Então, ele virava uma casinha chique para brincarmos de boneca. Era pelo quintal dos fundos que saíamos com as latas, atravessávamos a pontezinha de madeira e íamos pelo campinho florido, buscar água, no poço da Itambé, na época da seca.
O outro mundo era a área da frente, que dava para a Avenida Amazonas e era bem maior. O mundo dos ricos, do balanço e escorregador, das roseiras que davam sombras na vidraça do quarto, dos pés de frutas, do banco de madeira onde mamãe sentava-se para nos contar histórias. Era ali que andávamos de patinete e o papai ligava a“ radiola” para tocar seus boleros. Lembro-me da Jacira, minha prima, com o vestido tubinho e sapatos de saltos altos, rodando ao sabor de“ La Paloma” nas infinitas festas dadas por qualquer motivo.
Tanta coisa fez com que a casa ficasse impregnada na minha mente. As doze pessoas que lá viviam, a gata Pretinha, o passarinho Rolinha, o Peri, meu cachorro mais antigo, a Márcia, minha primeira“ filha”, os quartos abarrotados de camas, as fogueiras de São Pedro, os Natais.
A vida não era fácil, mas também não era tão difícil. Sempre foi boa. Nos Natais a alegria era garantida e os presentes chegavam. As bonecas que tinham desaparecido misteriosamente, meses antes, surgiam com vestidos novos e bochechas rosadas. Os velocípedes e os patinetes eram entregues reluzentes nas novas cores. O porco assado, as saladas, o tutu-de-feijão, a farofa, os doces e as garrafas de Coca-Cola enchiam as mesas para os de casa, primos, tios e amigos que surgissem.
Mesmo depois que nos mudamos para a casa grande da Amazonas, não deixei de visitar, algumas vezes, a casa dos fundos.
Morei por dez anos nos fundos. A mudança para a casa nova foi um acontecimento. A casa no segundo andar tinha janelas com vidro fumê, sala e copa conjugadas, quatro quartos com pisos de sinteco, paredes com azulejos, a varanda de cerâmica vermelha e rampas de pedras, a vista do trânsito na Avenida e muito barulho. Esse foi o problema maior, acrescido de outros
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