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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
sucumbiu pela manhã e à noite foi servido no jantar. Minha avó, Dinha Aurora, o
preparou no fogão a lenha. Ela e minha tia Preta foram morar conosco após o
nascimento do Cleiton, meu próximo irmão na escala. Depois dele vieram a Kate
e o Clemir. Eu não quis comer nenhum pedaço do “Galinho”, tinha afeição a ele,
apesar da sua ingratidão. Fui dormir com os olhos vermelhos, no colchão de
palha seca.
O quintal dos fundos inundava durante o período das águas, quando o
pequeno córrego Tijuca, que carregava normalmente um fio fedorento de água
leitosa da fábrica Itambé, transformava-se em um gigante de turbilhões
barrentos e varria além de seus limites. Nessas ocasiões para mim também era
bom. O que me importava eram os barquinhos de papéis coloridos, flutuando no
mar alaranjado que se formava na borda da janela da cozinha. Quanta dor de
cabeça para os moradores adultos! Tormento que fez o papai construir o prédio
de frente para a Avenida Amazonas e nos afastar dessa ameaça.
Embaixo do prédio, ficava o porão. Lugar escuro, abafado, que servia para
guardar sucata. Não gostávamos de ficar no porão, pois no lugar tinha pulgas e
outros insetos, pois os cachorros dormiam lá. Recordo que meus irmãos mais
velhos, uma vez, foram colocados de castigo naquele lugar, pelo meu pai. Porém,
eu frequentava, de vez em quando, o porão, para brincar, numa espécie de
expedição. Certa vez, numa tarde de Sexta-feira da Paixão, encontrei um
minúsculo camundongo entre a porta e um monte de brita que seria usada em
alguma reforma. Peguei um toquinho e prendi a cauda dele. O bichinho grunhia,
sofreu até eu me cansar e soltá-lo. Corri e fui rindo contar à minha mãe. Maria,
na sua meiguice de olhos azuis, muito calma, disse-me que era Sexta-feira da
Paixão, que Nosso senhor Jesus Cristo padecia na cruz e que eu jamais poderia
ter feito isso. Então, justifiquei que o rato é um bicho que ninguém gosta. Ela
disse-me que na vida eu encontraria, talvez, pessoas que não gostariam de mim
e nem por isto, teriam o direito de maltratar-me. Senti-me menor do que era,
pelo que fiz.
Na minha cabeça existiam duas realidades, dois mundos dentro daqueles
limites. O quintal dos fundos era o mundo dos pobres, do galinho, das enchentes,
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