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LiteraLivre nº 8 – Mar/Abr de 2018
A Complexidade das Lembranças
Ana Carolina Machado
Belém/PA
A bola de plástico estava largada onde devia realmente ter ficado naquele último dia de
brincadeiras. Ele já havia tido aquele sonho muitas vezes, mas dessa vez algo estava
diferente. Tudo estava mais vivo e real. Era como se ele tivesse realmente voltado para
aquela rua que existia somente nas memórias dele... Era como se tivesse voltado ao
local de sua infância. Sabia que isso não era possível. Já haviam se passado muitos anos
e mesmo se tivesse voltado para aquela rua ela não teria mais essa aparência. O
progresso havia chegado e a sua infância havia ficado há muito para trás. Restavam
apenas lembranças de um tempo tão bom.
Com passos trêmulos se aproximou do brinquedo e o tocou. Nunca uma coisa no mundo
dos sonhos pareceu tão real. Não apenas a bola, mas tudo ao redor parecia igualmente
real. Sentia o cheiro da terra recém molhada pela chuva. Ele não lembrava de ter
chovido naquele dia realmente, mas queria acreditar que sim. Tudo ficava mais mágico
com um pouco de chuva. Foi quando estava com o objeto em mãos que o viu pela
primeira vez.
Havia um garoto lhe encarando fixamente. Logo reconheceu. A criança era ele mesmo
com doze anos. Passado e presente se olharam fixamente. Haviam tantas perguntas no
ar, tanta saudade de outro tempo e era como se o seu eu criança questionasse suas
escolhas de adulto. Poderiam ter falado muita coisa, porém preferiram o silêncio que foi
quebrado por uma voz do passado que chamava o menino para jantar. Tudo se desfez
lentamente.
Acordou na cama do asilo. O sonho não saia da sua cabeça. Tinha a sensação que havia
realmente voltado ao passado. Levantou-se. Sabia que não conseguiria mais dormir.
Uma vez acordado foi até o armário e retirou de lá uma foto antiga e já amarelada. Não
era da sua infância, pois naquela época havia grandes dificuldades para bater fotos do
cotidiano, as fotos eram reservadas para momentos muito especiais. Como o presente
na foto: A formatura dele no secundário. O pai e a mãe assim como os irmãos
presentes. Enquanto olhava a foto se lembrou de um tempo que não mais o pertencia.
Lembrou do último dia em que ele e os amigos brincaram na rua. Do dia em que a bola
ficou esquecida do lado de fora.
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