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LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
degrau abaixo do dele, e fiquei recostada no corrimão por alguns instantes.
Não sabia o que falar e ele não podia me ver! Relutei, ensaiei, preparei e num
arroubo disse:
- Senhor!
O pobre homem levou um susto tamanho, estremeceu e jogou os
braços à frente, como que para se defender. E aí fiquei ainda mais
desconcertada, se é que poderia.
- O que aconteceu?! – disse ele, muito assustado e querendo uma
explicação daquele grito.
- Senhor, por favor, eu não queria que o senhor se assustasse. Sou
assim mesmo, toda atrapalhada, sem jeito... – eu disse.
O homem, sem compreender nada, ainda se refazendo do susto, deu
uma ajeitada no corpo, e virou o rosto para o meu lado, guiado pela minha
voz.
E eu continuei:
- Senhor, preciso da sua ajuda, mas nem sei como começar a falar...
O mendigo, com muita serenidade, disse:
- Dona, fala com calma. O que está acontecendo com a senhora? Pode
ter certeza de que vou ajudá-la.
Então, comecei a contar que trabalhava ali no centro, que passava por
ali todos os dias, e que naquele dia havia dado uma ajuda a ele, contando com
a reserva de dinheiro que na realidade não havia... O homem ouviu
atentamente, e me disse:
- Eu conheço a sua voz. É a mesma voz que me cumprimenta todos os
dias. Eu tenho esse registro.
Encabulada, num constrangimento sem tamanho, confirmei:
- Sim, eu sempre cumprimento o senhor... Mas agora preciso de ajuda
para ir para casa. O dinheiro que lhe ofereci hoje era exatamente o valor da
minha passagem. O senhor poderia me fazer um empréstimo e eu devolveria o
dinheiro na segunda-feira?! Prometo que pago, sem falta!
O pobre homem riu, solicitamente estendeu a latinha com algumas
moedas e disse:
- Dona, pega aqui o que a senhora precisa e não vamos falar em
pagamento, está bem?
Fiquei vermelha quando vi a lata bem perto dos meus olhos. Olhei as
pessoas que passavam por ali... Meu Deus, o que estariam pensando?! Como
reagiriam quando eu metesse a mão na latinha para pegar as moedas? Será
que pensariam que eu estivesse roubando o mendigo?!
O homem, que mantinha o braço erguido balançando a lata, disse:
- Vamos, pega as moedas!
Aflita, envergonhada, mas sem outra saída, enfiei a mão na lata e
peguei sessenta centavos. Com a outra mão, toquei a mão dele e a abaixei.
Assim ele entenderia que eu havia retirado as moedas.
O mendigo deu um tapinha carinhoso na minha mão, e docemente
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