Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 96

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 degrau abaixo do dele, e fiquei recostada no corrimão por alguns instantes. Não sabia o que falar e ele não podia me ver! Relutei, ensaiei, preparei e num arroubo disse: - Senhor! O pobre homem levou um susto tamanho, estremeceu e jogou os braços à frente, como que para se defender. E aí fiquei ainda mais desconcertada, se é que poderia. - O que aconteceu?! – disse ele, muito assustado e querendo uma explicação daquele grito. - Senhor, por favor, eu não queria que o senhor se assustasse. Sou assim mesmo, toda atrapalhada, sem jeito... – eu disse. O homem, sem compreender nada, ainda se refazendo do susto, deu uma ajeitada no corpo, e virou o rosto para o meu lado, guiado pela minha voz. E eu continuei: - Senhor, preciso da sua ajuda, mas nem sei como começar a falar... O mendigo, com muita serenidade, disse: - Dona, fala com calma. O que está acontecendo com a senhora? Pode ter certeza de que vou ajudá-la. Então, comecei a contar que trabalhava ali no centro, que passava por ali todos os dias, e que naquele dia havia dado uma ajuda a ele, contando com a reserva de dinheiro que na realidade não havia... O homem ouviu atentamente, e me disse: - Eu conheço a sua voz. É a mesma voz que me cumprimenta todos os dias. Eu tenho esse registro. Encabulada, num constrangimento sem tamanho, confirmei: - Sim, eu sempre cumprimento o senhor... Mas agora preciso de ajuda para ir para casa. O dinheiro que lhe ofereci hoje era exatamente o valor da minha passagem. O senhor poderia me fazer um empréstimo e eu devolveria o dinheiro na segunda-feira?! Prometo que pago, sem falta! O pobre homem riu, solicitamente estendeu a latinha com algumas moedas e disse: - Dona, pega aqui o que a senhora precisa e não vamos falar em pagamento, está bem? Fiquei vermelha quando vi a lata bem perto dos meus olhos. Olhei as pessoas que passavam por ali... Meu Deus, o que estariam pensando?! Como reagiriam quando eu metesse a mão na latinha para pegar as moedas? Será que pensariam que eu estivesse roubando o mendigo?! O homem, que mantinha o braço erguido balançando a lata, disse: - Vamos, pega as moedas! Aflita, envergonhada, mas sem outra saída, enfiei a mão na lata e peguei sessenta centavos. Com a outra mão, toquei a mão dele e a abaixei. Assim ele entenderia que eu havia retirado as moedas. O mendigo deu um tapinha carinhoso na minha mão, e docemente 91