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LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
alto da escada, rente ao muro que sustentava o corrimão. O movimento dos
pedestres era intenso na escadaria, e, muitas vezes fiquei em pé, atrás do
mendigo, aguardando um espaço para passar. Movimento que piorava na hora
do rush.
Interessante como o mendigo fazia parte da paisagem. Aquele homem
fazia parte daquele lugar. Não consigo me lembrar da escada sem a presença
dele, lá, no alto. Reparava que sempre colocava as muletas perfiladas junto ao
muro, de maneira a não atrapalhar os transeuntes. Eu não sabia como ele
chegava até ali, não sabia onde morava, não sabia como se alimentava... Eu o
cumprimentava na ida e na volta, nunca deixei de dizer bom dia e boa noite.
Isso mesmo, boa noite! Quando passava por ali, na volta do trabalho, mesmo
com a noite chegando, o homem continuava lá, no mesmo lugar.
Numa sexta-feira, subindo a escadaria, pensei que, apesar de ficar
tocada pela fragilidade do mendigo, pela sua situação miserável, nunca havia
colocado uma moeda para o pobre homem. Enfiei a mão na bolsa, peguei as
moedas que estavam lá e as coloquei na lata que ele segurava nas mãos. Ao
ouvir o barulho do níquel, ele agradeceu. Respondi ao agradecimento e segui o
meu caminho.
Terminado o dia, era chegada a santa hora de voltar para casa. Na
escada do Viaduto, no mesmo lugar, o mendigo. O movimento de pessoas era
aterrador. Passei por ele, dei boa noite, e desci espremida na multidão.
Já na fila do ônibus, abri a bolsa, abri o zíper do compartimento da
reserva... Não havia reserva. Depois que comprei os envelopes e os selos não
fiz a reposição. Puro esquecimento... Meu Deus, como eu voltaria para casa?!
Passei os olhos pela fila, pessoas estranhas, como sempre. Atrás de
mim já estavam perfilados inúmeros passageiros. E eu ali... Sem expediente,
sem saber o que fazer. Se fosse qualquer outra pessoa, poderia até pedir para
que alguém pagasse a passagem, contaria a história. Mas não eu. Nunca!
Saindo da fila e vendo a noite chegar cada vez mais rápido, fui entrando
em pânico. Não demoraria muito e naquela parte da cidade não haveria mais
pessoas nas ruas! E eu, o que faria?!
Desesperada, não vislumbrando outra saída, pensei no mendigo. Eu
havia dado a esmola naquela manhã, eu poderia pedir o dinheiro de volta.
Não! De volta, não! Eu poderia pedir a ele o valor da passagem como
empréstimo, e o pagaria no dia seguinte. No dia seguinte, não! Na segunda-
feira... Fui pensando nisso e andando na direção da escada. Será que ele ainda
estaria lá?!
Apressei o passo e aos trotes fiz o caminho de volta. Quando olhei para
o alto e o vi lá em cima, no mesmo lugar, fiquei feliz, aliviada. Quero dizer, um
pouco aliviada porque o pior ainda estava por acontecer. Eu teria que negociar
com ele um pequeno empréstimo, que situação! Eu nem sabia como iniciar a
conversa.
Quando cheguei ao topo da escada, eu estava ofegante, suando em
bicas. O suor descia pelas costas e empapava o cós da saia... Sentei-me no
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