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LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
que Leonora usava em nossas orgias sexuais. E isto, ela fez logo que
desenterrou meu corpo da cova de sal, onde eu, moribundo, quase morto,
jazia moído e cozido; e aproveitou para quebrar o resto dos meus ossos. -
Então predizia, sussurrando ao meu ouvido, em tom metafísico e
transcendental que a morte da geometria estava próxima e que o mundo já
tinha data certa para seu fim.
Estes são apenas alguns poucos fragmentos da personalidade de Leonora.
Eu não tenho o menor ressentimento em acusar Leonora de anjo ou demônio.
Porque nela, era fácil se perceber distintamente duas formas de caráter.
Leonora tinha a nítida intenção de demonstrar que, se hoje era uma amanhã
seria outra. E isto me fascinava ao mesmo tempo em que me aterrorizava. E
tal demonstração era convincente. Uma taça de vinho em suas mãos tanto
poderia ser uma bela cena vê-la sentir o buquê do vinho pelas bordas da taça,
como terrível era vê-la comprimindo-a até espatifá-la, deixando-a em cacos
dilacerantes numa mistura infernal de vinho, vidro e sangue, contraindo o
rosto em angústia para em seguida seus olhos se iluminarem demonstrando
alegria infantil. Leonora, Porém, sempre se fundamentou na solidão e na
ausência de sentido das coisas. Disse-me Ela, certa vez, em tom amargurado:
“não se conformar com minha ausência... E por mais incrível e estranho que
pudesse parecer, o que se fazia mais presente era justamente a minha não
presença. E que era apavorante assistir impassível a ausência de algo
ocupando todo o seu espaço. Um verdadeiro oco existencial”. Nosso estar junto
era assim: ilusório e enganador. Não éramos nada um para o outro. Apenas
cúmplice de uma existência angustiada e cheia de anseios. Leonora era lúbrica,
libidinosa, verdugo, fada e musa. E apesar de tantos e tantos predicados, das
virtudes e dos vícios, Eu nunca soube o que escrever de Leonora. Apenas
engasgo em seu nome... Leonora, Leonora, Leonora...
E me penitencio por tê-la consumida em vida e Ela a mim em morte. Por
sentir-me emaranhado na teia da persona que fora Leonora. Que mesmo na
distância de sua morte ainda empareda-me em seus artifícios. Rendo-me, pois,
prostrando-me, sucumbindo-me.
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