Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 74

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 que Leonora usava em nossas orgias sexuais. E isto, ela fez logo que desenterrou meu corpo da cova de sal, onde eu, moribundo, quase morto, jazia moído e cozido; e aproveitou para quebrar o resto dos meus ossos. - Então predizia, sussurrando ao meu ouvido, em tom metafísico e transcendental que a morte da geometria estava próxima e que o mundo já tinha data certa para seu fim. Estes são apenas alguns poucos fragmentos da personalidade de Leonora. Eu não tenho o menor ressentimento em acusar Leonora de anjo ou demônio. Porque nela, era fácil se perceber distintamente duas formas de caráter. Leonora tinha a nítida intenção de demonstrar que, se hoje era uma amanhã seria outra. E isto me fascinava ao mesmo tempo em que me aterrorizava. E tal demonstração era convincente. Uma taça de vinho em suas mãos tanto poderia ser uma bela cena vê-la sentir o buquê do vinho pelas bordas da taça, como terrível era vê-la comprimindo-a até espatifá-la, deixando-a em cacos dilacerantes numa mistura infernal de vinho, vidro e sangue, contraindo o rosto em angústia para em seguida seus olhos se iluminarem demonstrando alegria infantil. Leonora, Porém, sempre se fundamentou na solidão e na ausência de sentido das coisas. Disse-me Ela, certa vez, em tom amargurado: “não se conformar com minha ausência... E por mais incrível e estranho que pudesse parecer, o que se fazia mais presente era justamente a minha não presença. E que era apavorante assistir impassível a ausência de algo ocupando todo o seu espaço. Um verdadeiro oco existencial”. Nosso estar junto era assim: ilusório e enganador. Não éramos nada um para o outro. Apenas cúmplice de uma existência angustiada e cheia de anseios. Leonora era lúbrica, libidinosa, verdugo, fada e musa. E apesar de tantos e tantos predicados, das virtudes e dos vícios, Eu nunca soube o que escrever de Leonora. Apenas engasgo em seu nome... Leonora, Leonora, Leonora... E me penitencio por tê-la consumida em vida e Ela a mim em morte. Por sentir-me emaranhado na teia da persona que fora Leonora. Que mesmo na distância de sua morte ainda empareda-me em seus artifícios. Rendo-me, pois, prostrando-me, sucumbindo-me. [email protected] 69