Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 73

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 fosse. Para quem não entende de nenhum estilo literário, forma melhor não há. No entanto, não fosse minha parca sabedoria faria de Leonora uma heroína. Assim como Salomé, Uma Sherazade, uma Olga, uma Anita Garibalde ou quem sabe, uma lenda budista, uma deusa grega, um ente folclórico. E por que não uma Ana Karenina? Só por que também foi suicida? Aliás, Leonora não foi à estação aquela tarde para me matar. Ela apenas foi avisar que tudo já estava pronto, que eu poderia voltar. Mas, a cena que ela assistiu foi fatal para o desenlace do ardil montado. Sua investida contra mim já estava no “script” desenvolvido pelo elenco da trama. Agora estava eu ali, sentado no mesmo banco, na mesma estação, esperando o mesmo trem. Sendo alvo de olhares de desdém e perguntas indiscretas, entre os passantes. Cada um tentando imaginar meu drama... Estaria eu com fome?... Desempregado... Doente... Por quem sofro, por quem choro?... Não, não venham me perguntar. Porque não direi que é por Leonora que choro. - Está vendo ali?... - Estou. Mas, será que está chorando mesmo ou é impressão minha? - Está chorando, sim! - Coitado!... Mas, sua discreta personalidade a qual cultivava um gênero não muito difundido de elegância, de uma intimidade invisível, cheia de pudores, se recusava a qualquer forma de ostentação. No seu conceito, uma forma inconteste de soberba. Guiava-se Leonora apenas pelo sentido poético. Lembro-me com alegria no coração sua forma gentil de ensinar às estrelas a brilhar. Embora tivesse sido de uma poética violenta, às vezes. Pois que, ainda estava muito vivo em minha mente; e é apavorante a lembrança de Leonora me enterrando todo o corpo na areia salgada da praia e sair a fazer compras na feira de artesanato local. E vale lembrar que Leonora era extremamente fissurada por quiromancia e cartomancia. Embora todas as suas adivinhações fossem fulguradas nas imagens dos mitos fenícios, e não nos meros símbolos dos anjos das cartas e das linhas das mãos. Assim sendo, Leonora via em mim um ótimo instrumento para experimentar suas previsões e prognósticos místicos. Quando ela voltava do passeio e via minha cabeça vermelha como um açafrão suado e, imbuída dos poderes da deusa Astarteia, cuja divindade empresta suas energias através das pedras seixos dos rios, e delas, Leonora fazia uso para decifrar previsões modulando o calor das pedras em meu rosto quase espectral, - estes eram, inclusive, alguns dos arcaicos ritos da prostituição sagrada, que era muito comum na Babilônia de Nabucodonosor e 68