Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 134

LiteraLivre n º 5- Setembro de 2017
ondulava pelas verdejantes e extensas planuras do litoral norte catarinense, trazendo à tona uma sensação de“ déjà vu” que remetia a sonhos vívidos e recorrentes nos quais me“ sentia” em solitária cavalgada, flanando na“ imensitude”( estupendo neologismo que propõe a simbiose entre imensidão e quietude) das estepes russas de alguns séculos atrás e despertavam a mesma sensação de plenitude que experimentava agora. Chegara, porém, à fronteira com o estado do Paraná, nos contrafortes da Serra de Dona Francisca – terra de gente cordial e hospitaleira, serranos de parcos convívios, mas amaciados pelo singelo cultivo de orquídeas – e a solar paisagem catarinense já fora bruscamente substituída pela úmida e fosca neblina que caracterizava a prolongada subida da Serra, trecho ermo em que apenas os variados avisos de trânsito pareciam coexistir com os onipresentes“ outdoors” e a luxuriante vegetação da Floresta Atlântica do Paraná; eis que, de repente, numa dessas curvas do destino- ou do imaginário fantástico- uma topetuda calopsita pareceu pular para fora do cartaz onde fora aprisionada, para ganhar vida e, marotamente piscar para mim enquanto sentenciava:“ Aqui qualquer topete fica famoso”! A essa altura, eram quase palpáveis os sutis liames a unir e dar sentido às várias vidas pregressas evocadas no decurso dessa jornada de autoconhecimento, ilusoriamente separadas por barreiras de tempo e espaço, mas que conduziam indisfarçadamente ao garoto tímido que se deliciava com os primaveris sons que só ele parecia perceber no silêncio dos campos de milho do Minho português e desembocavam no adulto introspectivo que“ viajava” ao volante, numa rodovia do Sul brasileiro. O sinuoso trecho de serra tinha já ficado para trás há alguns minutos e o carro deslizava cauteloso pelo asfalto molhado no altiplano que dava acesso à capital paranaense, quando a inesperada e divertida visão de um“ outdoor” no qual um castor dentuço advertia:“ Não durma no volante... durma num colchão Castor”, fez-me tornar consciente de um leve cansaço, talvez anestesiado pelos sussurros do“ crooner” australiano, Steve Kilbey, na inebriante balada, cujo nome,“ Intense”, selava um anticlímax para a sucessão de eventos tão ordinários e, no entanto, mágicos. Eis que, já na periferia de Curitiba, desponta um derradeiro“ outdoor” divulgando um daqueles espigões que proliferam como preás no cenário das urbes modernas; nele, um monólito vertical,“ kubrickiano” no enigma de sua imponência, erguia-se em direção ao infinito do firmamento, enquanto em letras garrafais, se liam simplesmente os dizeres:
“ Viva o Extraordinário”! www. cultseraridades. com
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