Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 133

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 Viva o Extraordinário Paulo Cezar Alves Monteiro Florianópolis/SC Manhã de sábado, ao volante e solitário em uma “freeway” Floripa/Curitiba anormalmente amigável, com seus horizontes abertos a prometer um final de semana com tudo por escrever, era uma sensação que se renovava, agora enriquecida pelos benefícios que o tempo premiava com um ritmo mais reflexivo. Tal era o identificado “playground” de telúrico prazer onde a baleia paleolítica, que assomara das profundezas oceânicas que carrego na alma, e ressurgira outrora na quietude atemporal dos fundos de piscinas, nos quais, durante a infância, me mantinha submerso e extático, plasmava agora o seu próprio e redescoberto habitat. Quer tenha sido pelas emotivas reminiscências do pacífico cetáceo ancestral, quer pela excitação de trafegar pelo desconhecido, quer pelo enfileiramento de “hits” dos Pixies, dos Drowners e do Woods - estraçalhando nos “riffs” de guitarra de “With Light and With Love” -, uma trilha sonora habitual na estrada, o fato é que o aguçamento dos sentidos levou-me à percepção de detalhes que usualmente me teriam passado despercebidos. Logo eu, notório distraído, cuja capacidade de observação para minúcias do meu entorno beira a absoluta nulidade. No aguardo do momento propício para ultrapassar os gigantescos caminhões que seguiam na mesma rota, aproveitei para esmiuçar os dizeres inscritos nos para-choques: “Quem ama cuida”, “Deus é a Luz do meu caminho”, “Em rio de piranha jacaré nada de costas”, “Unidão apoia: “Crack nem pensar”, “Deus dá o juízo, a cachaça o tira”, entre tantos outros aforismos que reproduzem o fio de pensamento condutor dessa camada mais direta do nosso povo, enquanto acompanhava a sucessão de “outdoors” que, em pontos estratégicos, ocupavam as margens da rodovia. Na divisa de Barra Velha e Joinville, um desses, mais afoito, convidava: “Entenda o Apocalipse, em livros, palestras e DVD’s”, e o inusitado apelo ao ocultismo levou-me a questionar com meus botões se, particularmente, conseguiria ter a ousadia necessária para tentar cruzar os portais dos aterrorizantes cataclismas, que na certa me seriam prometidos, enquanto admirava a praticidade e oportunismo daquela criatura, que, na antecâmara de tantas e tão calamitosas desgraças, conseguira encontrar ânimo e disposição para não descurar dos cuidados com a comezinha sobrevivência do dia a dia; afinal de contas, se investira em tantas mídias para propagandear o fim do mundo próximo, é porque certamente seria adepto do otimista ditado luso: “Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”! Alheio a tal espectro sombrio, o grupo Fanfarlo exultava em “We’re the future”, oferecendo dançante pano de fundo para o dia luminoso de outono e o carro 128