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LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
Viva o Extraordinário
Paulo Cezar Alves Monteiro
Florianópolis/SC
Manhã de sábado, ao volante e solitário em uma “freeway” Floripa/Curitiba
anormalmente amigável, com seus horizontes abertos a prometer um final de
semana com tudo por escrever, era uma sensação que se renovava, agora
enriquecida pelos benefícios que o tempo premiava com um ritmo mais
reflexivo. Tal era o identificado “playground” de telúrico prazer onde a baleia
paleolítica, que assomara das profundezas oceânicas que carrego na alma, e
ressurgira outrora na quietude atemporal dos fundos de piscinas, nos quais,
durante a infância, me mantinha submerso e extático, plasmava agora o seu
próprio e redescoberto habitat.
Quer tenha sido pelas emotivas reminiscências do pacífico cetáceo ancestral,
quer pela excitação de trafegar pelo desconhecido, quer pelo enfileiramento de
“hits” dos Pixies, dos Drowners e do Woods - estraçalhando nos “riffs” de
guitarra de “With Light and With Love” -, uma trilha sonora habitual na
estrada, o fato é que o aguçamento dos sentidos levou-me à percepção de
detalhes que usualmente me teriam passado despercebidos. Logo eu, notório
distraído, cuja capacidade de observação para minúcias do meu entorno beira
a absoluta nulidade.
No aguardo do momento propício para ultrapassar os gigantescos caminhões
que seguiam na mesma rota, aproveitei para esmiuçar os dizeres inscritos nos
para-choques: “Quem ama cuida”, “Deus é a Luz do meu caminho”, “Em rio de
piranha jacaré nada de costas”, “Unidão apoia: “Crack nem pensar”, “Deus dá o
juízo, a cachaça o tira”, entre tantos outros aforismos que reproduzem o fio de
pensamento condutor dessa camada mais direta do nosso povo, enquanto
acompanhava a sucessão de “outdoors” que, em pontos estratégicos,
ocupavam as margens da rodovia.
Na divisa de Barra Velha e Joinville, um desses, mais afoito, convidava:
“Entenda o Apocalipse, em livros, palestras e DVD’s”, e o inusitado apelo ao
ocultismo levou-me a questionar com meus botões se, particularmente,
conseguiria ter a ousadia necessária para tentar cruzar os portais dos
aterrorizantes cataclismas, que na certa me seriam prometidos, enquanto
admirava a praticidade e oportunismo daquela criatura, que, na antecâmara de
tantas e tão calamitosas desgraças, conseguira encontrar ânimo e disposição
para não descurar dos cuidados com a comezinha sobrevivência do dia a dia;
afinal de contas, se investira em tantas mídias para propagandear o fim do
mundo próximo, é porque certamente seria adepto do otimista ditado luso:
“Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”!
Alheio a tal espectro sombrio, o grupo Fanfarlo exultava em “We’re the future”,
oferecendo dançante pano de fundo para o dia luminoso de outono e o carro
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