Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 132

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 deitada de bruços na cama, só de calcinha. Era magra, uma falsa magra, daquelas de ombros estreitos, cintura fina, mas os quadris largos, a bunda achatada. Tinha a pele morena, cabelos louros mal pintados. Levantou a cabeça do travesseiro, os olhos mu ito abertos. O homem estava em pé, perto da cama. Ainda de calças, mas sem camisa. Ia desabotoando a braguilha. Com o susto, deu um pinote, quase se amontoou numa cadeira no meio do quarto. Voltou-se para nós. Era gordinho, meio careca. Fui eu que o reconheci primeiro. Segurei o Pivica, que já ia partindo para a agressão. – Porra, Pivica, é o Doutor Célio! Doutor Célio era um velho cliente nosso, político safado, pagava bem por alguns servicinhos, nada de muito violento. Uns cascudos em adversários, pequenas ameaças. – É mesmo! – espantou-se o Pivica. Doutor Célio, o senhor por aqui – foi o que ele encontrou para dizer. Ele nos cumprimentou de modo um pouco arrogante como sempre fazia, mesmo naquela situação esquisita. Já havia adivinhado o que viéramos fazer ali. Quem está pagando pra vocês? – Não pergunte isso, Doutor Célio. Não fica bem a gente entregar um cliente. – Tá bem. Então quanto estão pagando? Eu cubro o valor. O Pivica estava encrencado. O que fazer? Dar um pau no Doutor Célio? Nem pensar. Por outra, certamente ele não gostaria de falar em valores na minha frente. Eu nunca soube quanto na verdade ele recebia pelos nossos serviços. Contentava-me com a minha parte. Engasgou-se um pouco, franziu a testa, olhou para o chão em direção aos seus tênis, e afinal chegou-se para perto do cliente e falou baixinho. O homem disse: tá bom, me procure amanhã no escritório. – E agora? Vamos dar o cano no cliente? – eu falei quando estávamos já fora da casa. – Foda-se. A vida é dos mais espertos. Trocar o Doutor Célio por um trouxa qualquer é trocar doze por meia dúzia. Vamos dizer que o homem não apareceu e desistir do negócio. – Você é quem manda. Mas sabe o que me deu vontade ali no quarto? – Nem imagino, mano. – Dar um pau naquela vagabunda. 127