Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 115

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 Promessa Reinaldo Fernandes Brumadinho – MG A filha está sentada no leito, observa a mãe. Lá fora, o sol começa a se pôr, para além do Ibirapuera. A tarde se finda. Dia quente de outubro. - Promete, minha filha?, pergunta a mãe, parecendo acordar. Promete? Ela acarinha o rosto da mãe, segura as lágrimas, seu olhar dirige-se à janela por onde entram os últimos raios de sol. O dia vai acabar. - Promete?, insiste a mãe. -Prometer o que, mãe? Descansa... estou aqui do seu lado. A mãe esforça-se para fitar-lhe os olhos, parece vê-la distante, há quase dezessete anos de distância, quando ainda dava seus primeiros passos. Lembra-se de suas irmãs, pequenas, brincando de boneca na sala, também pequena do barraco. Eram mais três. Um faleceu num acidente trágico de moto; outra de meningite. A terceira irmã, “vida loca”, sumiu na vida, nunca mais dela teve notícias. Ficou a caçula. Ficou sempre, cuidando dela, dando força, amparando-a até àquele momento. - Descansa, mãe. A senhora vai ficar boa. - Promete se cuidar, filha? Promete fazer o autoexame, ir no médico, ver se você não tem essa doença da sua mãe? Promete pra mim, filha, promete! Só se você prometer eu posso descansar em paz. Ela abraça mais uma vez a mãe, seus dois seios tocam o único que restou da mãe. A mãe lhe aperta forte, ela corresponde. “Prometo, mãezinha!”, cochicha no ouvido de sua heroína, aquela a quem mais amou, dedicou praticamente toda sua vida a cuidar. Ficam ali, assim, até que ela percebe que a mãe já não mais a aperta. Foi o último abraço de um amor cúmplice. Ela passa a mão pelo rosto da mãe, fechando-lhe os olhos. Depois fecha a janela, apaga o que restou do sol. Acabou o dia. Acabou tudo. www.facebook.com/reinaldo.13.fernandes 110