LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018
picadinhos aquela página onde carimbaram cancelado. Depois rasguei a página com a minha foto. E depois risquei com a caneta a capa, risquei tanto a palavra passaporte que furei de um lado ao outro. Joguei fora tudo pela janela do ônibus. As marcas documentadas do meu sonho de ir para lá ficaram espalhadas pela BR116”. Disse ela com aquele jeito dramático porém com um tom triunfante mesmo se derrotada que sempre teve. É forte, sempre fora. Nunca imaginei que fosse eu a pessoa a ir embora e ela a que ficasse.“ As estrelas aqui parecem estar mais próximas à terra do que as do hemisfério norte, mas são mais poucas. É isso, próximo e pouco é como viver no Brasil”.“ O quê”? Aquela conversa que vínhamos tendo nos últimos quinze anos toda a vez que eu voltava para visitar iria se encerrar agora. Encarei-a através da falta de luz do ônibus, via boca e olhos, era ali no ônibus, naquele entre-lugar, naquele trajeto que costumávamos fazer tantas vezes de Brasília ao Triângulo mineiro que tudo se relevaria. Beijei-lhe fundo o bocão enquanto segurava a sua mão que queria escapar. Os seus olhos enormes arregalavam-se mais e mais enquanto eu enfiava a língua para domar aquele incisivo, agora ela começava pestanejar. Por que esperei / esperamos tanto por aquele beijo. Estávamos tão atrasadas!
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