LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
berrava a todo pulmão: “Esse tarado passou dos limites. Alguém aqui duvida que
esse cafifa estripou a pobre Coriolana?” A cada palavra do político o povaréu
ficava mais excitado. O alcaide voltou a proferir o mesmo questionamento, desta
feita compelindo a ponta da sua valiosa bengala contra a cabeça do rapaz que se
encontrava ajoelhado. Com aquele ato humilhante decerto ele requestava o aval
da população para dar cabo ali mesmo do miserável acusado.
“Isso mesmo, prefeito. Arranca o pescoço desse perdido”, tomou à frente
Jesuíno, o tabelião da cidade, mais bêbado do que gambá. “Isso mesmo. Isso
mesmo”, os demais começaram a fazer coro e dar fiança ao veredito do prócer do
município.
“Alto lá”, uma voz destoou no meio da plebe: era Gerônimo Aniceto, o
jovem médico recém-chegado à cidade e portador de alguma decência. “O rapaz
merece ser julgado, pois pelo que eu saiba ninguém aqui presenciou o
assassinato”. Após essa intervenção, houve um princípio de burburinho. Os mais
exaltados não queriam saber da opinião do médico; os mais ponderados
principiaram a questionar uns aos outros; os bêbados mudavam de opinião ao
sabor do vento.
“Está bem, doutor...”, o prefeito fingiu esquecer o nome do jovem galeno.
“Gerônimo, senhor...”, o rapaz devolveu a moeda com a mesma coroa. “Você tem
dez minutos para provar que o cretino aqui é inocente”, decretou o mandatário
da cidade em tom de bravata.
Gerônimo, irritadíssimo com o descalabro do prefeito, não sabia o que
fazer. Tirou o chapéu bem cuidado da cabeça e enxugou o suor da testa com o
lenço do bolso do terno. Apesar do sino da paróquia já ter acusado as dozes
badaladas, o bafo quente da noite abrasava o fervor dos acontecimentos e fervia,
por corolário, o ânimo de todos os habitantes ali plantados e ávidos por uma
decisão. Ou por um pescoço rolando e caindo no cesto abaixo do patíbulo da
guilhotina.
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