Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 55

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 berrava a todo pulmão: “Esse tarado passou dos limites. Alguém aqui duvida que esse cafifa estripou a pobre Coriolana?” A cada palavra do político o povaréu ficava mais excitado. O alcaide voltou a proferir o mesmo questionamento, desta feita compelindo a ponta da sua valiosa bengala contra a cabeça do rapaz que se encontrava ajoelhado. Com aquele ato humilhante decerto ele requestava o aval da população para dar cabo ali mesmo do miserável acusado. “Isso mesmo, prefeito. Arranca o pescoço desse perdido”, tomou à frente Jesuíno, o tabelião da cidade, mais bêbado do que gambá. “Isso mesmo. Isso mesmo”, os demais começaram a fazer coro e dar fiança ao veredito do prócer do município. “Alto lá”, uma voz destoou no meio da plebe: era Gerônimo Aniceto, o jovem médico recém-chegado à cidade e portador de alguma decência. “O rapaz merece ser julgado, pois pelo que eu saiba ninguém aqui presenciou o assassinato”. Após essa intervenção, houve um princípio de burburinho. Os mais exaltados não queriam saber da opinião do médico; os mais ponderados principiaram a questionar uns aos outros; os bêbados mudavam de opinião ao sabor do vento. “Está bem, doutor...”, o prefeito fingiu esquecer o nome do jovem galeno. “Gerônimo, senhor...”, o rapaz devolveu a moeda com a mesma coroa. “Você tem dez minutos para provar que o cretino aqui é inocente”, decretou o mandatário da cidade em tom de bravata. Gerônimo, irritadíssimo com o descalabro do prefeito, não sabia o que fazer. Tirou o chapéu bem cuidado da cabeça e enxugou o suor da testa com o lenço do bolso do terno. Apesar do sino da paróquia já ter acusado as dozes badaladas, o bafo quente da noite abrasava o fervor dos acontecimentos e fervia, por corolário, o ânimo de todos os habitantes ali plantados e ávidos por uma decisão. Ou por um pescoço rolando e caindo no cesto abaixo do patíbulo da guilhotina. 50