LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
que estava sendo atacada e mais precisamente o menino Firmino não tirava os
luzidios olhos daquela cena, e mais precisamente ele no silêncio enxergou cenas
que seguramente ninguém ali havia enxergado.
De repente a luz daquele único ambiente iluminado se apagou. Tudo ficou
na penumbra. Até o grito de desespero da mulher cessou.
Aconteceu que, se há uma coisa que acabe com qualquer evento numa
cidade pequena, seja lá o que for, essa coisa é um assassinato, pois foi isso que
ocorreu durante o espaço de tempo de em que o arrabalde ficou em trevas. Uma
mulher chamada Coriolana havia sido morta a facadas no quarto de hotel a que
nos referimos e o tumulto tornou-se generalizado porque um sujeito malvisto no
lugar, de nome Agripino, foi apanhado literalmente com as calças nas mãos na
portaria do estabelecimento hoteleiro tão logo a força elétrica trouxera a
claridade de volta à cidade. Portanto, não houve mais missa do galo, não
houveram cânticos, e nem aconteceu o indefectível sermão do padre Bellini.
“Foi ele! Foi esse descarado”, retumbava uma turba de homens de todos os
estratos da sociedade local, histéricos e inflamados. “Enforquem ele”, esgoelavam
os mais exaltados. “Corta o pinto desse miserável”, esculhambavam os
avacalhados.
Terminou que o indivíduo – a muito custo – foi dominado e arredado das
feras pelos dois únicos soldados do corpo policial e conduzido ao armazém de
estivas O colossal, de propriedade do prefeito, empresário, juiz, delegado,
fazendeiro, agiota, prestamista e vigarista, Benedito Siracusa. Aconteceria ali
uma espécie de julgamento sumário, contrariando todas as regras do lugar, se é
que prevalecia alguma lei naquele fim de mundo.
Dentro do amplo e iluminado armazém, que cabia metade da cidade, um
homem gordo, balofo, de terno de linho branco, chapéu panamá, com o
inseparável charuto de erva estragada preso entre os dedos da mão esquerda e
uma grossa bengala metálica revestida a ouro girando em rodopio na outra mão,
49