Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 54

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 que estava sendo atacada e mais precisamente o menino Firmino não tirava os luzidios olhos daquela cena, e mais precisamente ele no silêncio enxergou cenas que seguramente ninguém ali havia enxergado. De repente a luz daquele único ambiente iluminado se apagou. Tudo ficou na penumbra. Até o grito de desespero da mulher cessou. Aconteceu que, se há uma coisa que acabe com qualquer evento numa cidade pequena, seja lá o que for, essa coisa é um assassinato, pois foi isso que ocorreu durante o espaço de tempo de em que o arrabalde ficou em trevas. Uma mulher chamada Coriolana havia sido morta a facadas no quarto de hotel a que nos referimos e o tumulto tornou-se generalizado porque um sujeito malvisto no lugar, de nome Agripino, foi apanhado literalmente com as calças nas mãos na portaria do estabelecimento hoteleiro tão logo a força elétrica trouxera a claridade de volta à cidade. Portanto, não houve mais missa do galo, não houveram cânticos, e nem aconteceu o indefectível sermão do padre Bellini. “Foi ele! Foi esse descarado”, retumbava uma turba de homens de todos os estratos da sociedade local, histéricos e inflamados. “Enforquem ele”, esgoelavam os mais exaltados. “Corta o pinto desse miserável”, esculhambavam os avacalhados. Terminou que o indivíduo – a muito custo – foi dominado e arredado das feras pelos dois únicos soldados do corpo policial e conduzido ao armazém de estivas O colossal, de propriedade do prefeito, empresário, juiz, delegado, fazendeiro, agiota, prestamista e vigarista, Benedito Siracusa. Aconteceria ali uma espécie de julgamento sumário, contrariando todas as regras do lugar, se é que prevalecia alguma lei naquele fim de mundo. Dentro do amplo e iluminado armazém, que cabia metade da cidade, um homem gordo, balofo, de terno de linho branco, chapéu panamá, com o inseparável charuto de erva estragada preso entre os dedos da mão esquerda e uma grossa bengala metálica revestida a ouro girando em rodopio na outra mão, 49