Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 53

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 Ecos do Silêncio Gilmar Duarte Rocha Brasília/DF Estavam atrasados para a missa de Natal e os sinos da igreja da matriz já começavam a repicar indicando o início do sermão usual do velho padre Bellini. Belisa trotava a passos largos pelas ruas de calçamento irregular, com uma das mãos ajeitando o véu negro que insistia em escapar-lhe da face; com a outra mão, quase esmagando os dedos frágeis do garoto Firmino, de apenas oito anos de idade: “Deus vai te dar a palavra ano que vem, filho. Ele me prometeu em sonho”, divagava a mulher, embaçando os devaneios com o desejo premente de que a sua cria, o jovem Firmino, curasse mesmo que miraculosamente da mazela que sofria nos tímpanos desde a nascença; afecção essa que o obstava de ouvir e falar, mas que não o impedia de possuir um olhar de ave de rapina em voo de cruzeiro e um cérebro que processava neurônios em profusão. A cidade estava toda iluminada naquele instante, e o velho gerador de energia do município não tinha a mesma robustez de outrora, daí que se irrompeu um blecaute repentino – devido à sobrecarga de demanda de energia – e um breu sem fim abateu-se sobre a praça da matriz, logradouro onde a mãe e o filho acabavam de pisar os pés. Então deu-se início a um breve tumulto, pois ninguém enxergava ninguém. Todos os sobrados da praça estavam com as luzes apagadas, exceto um, mais precisamente o prédio de três pavimentos onde se estabelecia o único hotel da cidade, e mais precisamente a única luz que emanava do hotel provinha do quarto no último andar, e mais precisamente nesse quarto morava uma hóspede de vida fácil, e mais precisamente essa mulher botava a boca no mundo gritando 48