LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Ecos do Silêncio
Gilmar Duarte Rocha
Brasília/DF
Estavam atrasados para a missa de Natal e os sinos da igreja da matriz já
começavam a repicar indicando o início do sermão usual do velho padre Bellini.
Belisa trotava a passos largos pelas ruas de calçamento irregular, com uma das
mãos ajeitando o véu negro que insistia em escapar-lhe da face; com a outra
mão, quase esmagando os dedos frágeis do garoto Firmino, de apenas oito anos
de idade:
“Deus vai te dar a palavra ano que vem, filho. Ele me prometeu em sonho”,
divagava a mulher, embaçando os devaneios com o desejo premente de que a
sua cria, o jovem Firmino, curasse mesmo que miraculosamente da mazela que
sofria nos tímpanos desde a nascença; afecção essa que o obstava de ouvir e
falar, mas que não o impedia de possuir um olhar de ave de rapina em voo de
cruzeiro e um cérebro que processava neurônios em profusão.
A cidade estava toda iluminada naquele instante, e o velho gerador de
energia do município não tinha a mesma robustez de outrora, daí que se
irrompeu um blecaute repentino – devido à sobrecarga de demanda de energia –
e um breu sem fim abateu-se sobre a praça da matriz, logradouro onde a mãe e
o filho acabavam de pisar os pés.
Então deu-se início a um breve tumulto, pois ninguém enxergava ninguém.
Todos os sobrados da praça estavam com as luzes apagadas, exceto um, mais
precisamente o prédio de três pavimentos onde se estabelecia o único hotel da
cidade, e mais precisamente a única luz que emanava do hotel provinha do
quarto no último andar, e mais precisamente nesse quarto morava uma hóspede
de vida fácil, e mais precisamente essa mulher botava a boca no mundo gritando
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