LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Quando tudo conspirava contra o proclamado réu Agripino, eis que um
menino desgarrava da mão da mãe e partia em disparada em direção ao
presumível cadafalso, onde se encontrava o adiposo prefeito; o esmorecido
médico e o malandro sentenciado.
Era Firmino, que falava como uma girafa mas enxergava como um lince, e
naquele momento postava-se exatamente em frente a Siracusa, apontando o
dedo para a preciosa bengala do executivo municipal e meneando os pequenos
artelhos da mão esquerda de forma alternada e sucessiva.
“Raios”, exclamou o prefeito fanfarrão. “A mãe desse fedelho pode tirá-lo
daqui imediatamente”. Belisa não titubeou e acorreu para resgatar a sua cria.
Quando ela puxava o inquieto garoto pelo braço, eis que o médico Gerônimo se
ingeriu e perguntou a uma atônita Belisa: “O que o garoto queria dizer com os
sinais, senhora?”. Ela ficou surpresa com a indagação, sinalizou que não iria se
pronunciar e, para espanto geral, voltou atrás e respondeu ao médico de chofre:
“Ele dizia que foi a bengala do senhor prefeito que atingiu a moça morta por
trás”.
Exclamação geral da audiência. Alguns levaram as mãos à boca; outros
arregalaram os olhos; doidivanas desdenhavam. O médico não. Resoluto tomou o
garoto de rompante das mãos da mãe e pediu que ele fosse mais explícito (nesse
ponto, o médico se esforçava para isso, pois não entendia a linguagem de sinais).
O menino, vivaz e inteligente, voltou a menear os dedos agora de ambas as
mãos. “Traduza em nome da lei, minha senhora”, exigia Gerônimo, cada vez mais
convicto de havia ali algo a desvendar. “Ele disse que há uma lança na ponta da
bengala do prefeito”, traduziu a atormentada genitora.
“Ah, ah, ah, ah”, o vão Siracusa depreciava o insólito testemunho da
criança em tom de escárnio, emendando “Esses meninos hoje em dia andam
lendo muito gibi; que imaginação fertilizada”. Depois, alterou o semblante e
esbravejou com Belisa: “A senhora e esse mudo dos infernos me respeitem,
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