Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 40

LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018

Catimbau

Carlos Henrique Barth Macaé / RJ
Uma das recordações que levo da infância é o vento nordeste. O chamávamos, respeitosamente, de nordestão. Nunca chegava pacificamente, sempre com violência. Vinha para nos mostrar que era mais forte e éramos insignificantes. Levava os guarda-sóis e as tampas das caixas de isopor que guardavam a cerveja. Levantava saias e fazia os veranistas correrem para casa. Tombava os carrinhos que vendiam milho verde e desfolhava os exemplares de Zero Hora que a molecada vendia. Metia medo nos pescadores da barra do rio Tramandaí. Foi por culpa dele, em grande parte, que morreu Catimbau. Por culpa do vento nordeste e de um detalhe que lhe custou a vida.
Catimbau era um velho pescador. Ou será que minhas memórias me traem e o apresentam em minha recordação mais velho do que realmente era? Que idade teria quando faleceu? Nunca saberei. Nem seu verdadeiro nome, ao menos, sei. Tampouco conheço a origem de seu apelido. Talvez fosse apenas um homem dos seus quarenta e poucos anos brutalmente envelhecido pela vida dura e pelo vento inclemente. Em minhas lembranças de criança vejo um senhor de cabelos sujos, encaracolados e desgrenhados. Os dentes desalinhados e amarelados pela nicotina. Vejo-o sempre rindo. Creio que nunca o vi de mau humor ou triste. Tinha um grande coração, o Catimbau.
Possuía um senso de humor formidável. Sua visita diária ao boteco era folclórica. Religiosamente, quando voltava do mar, passava no bar de meu tio Norberto com o pretexto de esquentar o coração ou refrescar a garganta, beber para esquecer ou para recordar, comemorar ou afogar as mágoas, ou qualquer outra justificativa de seu vasto repertório para encher a cara. Vinha com o blusão de lã desfiado e uma surrada touca do Grêmio, também de lã, por onde tentavam
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