LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Carpe Telephonum
Rodrigo Schevenck
Os dias são assim. Você está conectado. Ao mundo e a todo mundo. Antes fosse uma prévia
de algum texto de aconselhamento espiritual ou de alguma obra motivacional que inspira
mudanças de vida e tatuagens de gosto duvidoso. Porém o objeto aqui abordado é a
ferramenta de comunicação mais poderosa de todos os tempos até agora: O Telefone
Celular.
O celular em seu primórdio era somente usado para falar, depois evoluiu para a troca de
mensagens de texto e hoje em dia já nos permite: tirar fotos, filmar, despertar, gravar
lembretes, jogar, ouvir músicas, acessar a internet e suas redes ditas sociais. Entre outras
inúmeras funções que parecem não ter fim e limite. Tudo no mundo está a um toque. Celular
é agora, é matéria urgente. Sabemos, ou julgamos saber, de tudo e cada vez mais rápido.
Desde aquele desastre do outro lado do mundo ao mais novo tratamento dentário daquela
subcelebridade que odiamos acompanhar. É o presente mais presente, cada vez mais
acelerado, perto do futuro e já passado.
O celular como objeto tecnológico delicado carece de cuidados especiais. Protegemos
nossos celulares com capas e películas. Ficamos desesperados com o nível da bateria de
nossas simbioses digitais. Simbiose aparente benéfica para nós. Mas quem cuida de quem?
Temos retirado um tempo para recarregar nossas energias? Eu não me lembro a última vez
que me enchi de cuidados especiais. Que me protegi de possíveis quedas, que me revesti
com zelo e atenção. Muito mais provável nos atirarmos ao chão para impedir que o celular
sofra alguma avaria.
Vagamos corcundas pelas ruas. Presos a possibilidade do acontecimento. Do fato novo. Do
convite. Da lembrança. Aquele amigo posta uma foto num evento aparentemente incrível e
você não foi convidado. O inferno da exclusão digital. A festa é sempre no outro
apartamento. O paraíso das fotos que saltam aos nossos olhos com viagens, festas,
jantares, encontros e toda sorte de felizes acontecimentos. A nova mordida na maçã da
tentação. Cravamos o dente sem pestanejar e compartilhamos.
O celular como a maçã invisível do conhecimento, provamos do seu gosto e envergonhados
cobrimos nossas selfies com cores, filtros e efeitos. Abriu nossos olhos para uma nova
realidade ou para uma realidade própria. Hoje podemos escolher, tirando questões crucias
ou virais, o que queremos saber e essa escolha nos ajuda a ficarmos seguros em nossas
bolhas. Andamos indiferentes ao outro e a nós mesmos e agoniza tudo o que requer tempo
e trabalho. E que não tenha conexão com um celular. Estamos nos desligando da vida, são
as nossas digitais servindo nossos digitais.
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