LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
escapar seus cabelos rebeldes. Eles, os cabelos, escapuliam por baixo da touca e
se projetavam para o céu desafiando as leis da gravidade.
- Me dá uma cachaça – pedia.
- Um pente? – questionava Norberto fingindo-se de surdo. A mão em
concha ao redor do ouvido. O corpo curvado.
- Não. Uma cachaça – elevava a voz o cliente.
- Ô, nega! Traz um pente pro Catimbau – gritava o dono do botequim para
a esposa.
- Não, caralho! Quero uma cachaça! – o cliente, por fim, aos berros.
Todos riam, principalmente o dono do boteco enquanto servia três dedos de
aguardente no copo ensebado. Bebia sua pinga e seguia pelo bairro vendendo
seu pescado. Ao final da tarde, todos os dias, nosso futebol – que era disputado
em um beco! – sofria uma baixa. Milton, filho de Catimbau, tinha a tarefa de
ensinar o pai a ler. Lá ia o guri, revoltado. “Não adianta, mãe. O pai é burro. Ele
nunca aprende.” Certamente essas duras palavras ditas no passado hoje doem
em seu coração. Mas ele era um bom menino. Só não tinha a sabedoria, ainda,
de perceber que o pai não era burro. Era um herói.
Um dia saiu para pescar e não voltou. O nordestão chegou muito rápido,
surpreendendo até mesmo os velhos lobos do mar. A embarcação naufragou na
saída da barra, onde o mar é traiçoeiro. Catimbau lutou para salvar um
companheiro que se afogava. O detalhe, que lhe custou a vida, era que não sabia
nadar. Nunca aprendeu. A despeito disso, morreu tentando salvá-lo pois era seu
dever. Era seu destino. E o destino não liga para detalhes.
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