Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 29

LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018
O sol estava baixando, e era chegada a hora de Mário cuidar da limpeza do corpo antes de vestir a roupa e seguir de volta para a vila. Era preciso estar em casa antes da escuridão da noite chegar. E todos foram saindo do açude. Mário se lavou inúmeras vezes, esfregava o couro cabeludo com as unhas até que ardesse. Esperava a água se acalmar, esperava a lama assentar-se no fundo, e mergulhava a cabeça para se livrar do barro. E esfregava cada curvinha das orelhas para remover o barro teimoso que insistia em não sair.
Pronto. Agora era só caminhar devagar até encontrar a árvore aonde deixara as suas roupas. Assim, caminhando devagar, evitaria que o barro fosse espirrado nas pernas e o corpo ficaria completamente seco com os últimos raios do sol. E assim foi... Os companheiros estavam quase todos vestidos, muitos já caminhavam de volta, e Mário ainda procurava as suas roupas. Olhava de um lado, de outro, e nada. Foi ficando intrigado e pôs-se, desesperado, a perguntar a um e a outro.
Nada... Em poucos minutos virou uma verdadeira caçada às roupas de Mário. Inutilmente... Os mais medrosos puseram-se a correr rumo à vila. Não podiam se atrasar! Os companheiros mais chegados, calados, cansados da busca e imaginando o que havia acontecido, foram se dispersando. E Mário ficou ali, parado. E nu. Sabia exatamente o que o aguardava. O pai havia levado as suas roupas, e teria de enfrentá-lo. Nu... E, como chegar até lá? Como um menino de dez anos pode atravessar uma vila, assim, pelado?! Olhando o céu e percebendo que logo seria noite, juntando a vergonha de caminhar nu e o medo do escuro, Mário foi mudando os passos, vagarosamente.
O trecho de volta, naquelas condições, tornara-se mais longo, infinitamente mais longo, e logo precisou apressar o passo. E assim, ele foi correndo de árvore em árvore, de moita em moita, para tentar esconder a sua nudez. Mário vazou cercas, cruzou pastos, plantações... Nu. Ficava apavorado quando lembrava que estava perto da vila. Como passaria pelas casas, como enfrentaria as pessoas, assim, pelado?! E foi caminhando, aos trotes, aos pulos... O sol sumiu, a noite estava à porta. E o medo, também... Atravessou a primeira rua da vila, escondeu-se atrás de uma casa. Ainda bem que não existiam muros. Só cercas.
24