LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018
O sol estava baixando , e era chegada a hora de Mário cuidar da limpeza do corpo antes de vestir a roupa e seguir de volta para a vila . Era preciso estar em casa antes da escuridão da noite chegar . E todos foram saindo do açude . Mário se lavou inúmeras vezes , esfregava o couro cabeludo com as unhas até que ardesse . Esperava a água se acalmar , esperava a lama assentar-se no fundo , e mergulhava a cabeça para se livrar do barro . E esfregava cada curvinha das orelhas para remover o barro teimoso que insistia em não sair .
Pronto . Agora era só caminhar devagar até encontrar a árvore aonde deixara as suas roupas . Assim , caminhando devagar , evitaria que o barro fosse espirrado nas pernas e o corpo ficaria completamente seco com os últimos raios do sol . E assim foi ... Os companheiros estavam quase todos vestidos , muitos já caminhavam de volta , e Mário ainda procurava as suas roupas . Olhava de um lado , de outro , e nada . Foi ficando intrigado e pôs-se , desesperado , a perguntar a um e a outro .
Nada ... Em poucos minutos virou uma verdadeira caçada às roupas de Mário . Inutilmente ... Os mais medrosos puseram-se a correr rumo à vila . Não podiam se atrasar ! Os companheiros mais chegados , calados , cansados da busca e imaginando o que havia acontecido , foram se dispersando . E Mário ficou ali , parado . E nu . Sabia exatamente o que o aguardava . O pai havia levado as suas roupas , e teria de enfrentá-lo . Nu ... E , como chegar até lá ? Como um menino de dez anos pode atravessar uma vila , assim , pelado ?! Olhando o céu e percebendo que logo seria noite , juntando a vergonha de caminhar nu e o medo do escuro , Mário foi mudando os passos , vagarosamente .
O trecho de volta , naquelas condições , tornara-se mais longo , infinitamente mais longo , e logo precisou apressar o passo . E assim , ele foi correndo de árvore em árvore , de moita em moita , para tentar esconder a sua nudez . Mário vazou cercas , cruzou pastos , plantações ... Nu . Ficava apavorado quando lembrava que estava perto da vila . Como passaria pelas casas , como enfrentaria as pessoas , assim , pelado ?! E foi caminhando , aos trotes , aos pulos ... O sol sumiu , a noite estava à porta . E o medo , também ... Atravessou a primeira rua da vila , escondeu-se atrás de uma casa . Ainda bem que não existiam muros . Só cercas .
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