Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 28

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 Lépido, ardiloso, conluiado com os companheiros, num triscar de olhos atravessava os pastos, as plantações, vazava as cercas, se despia, arrumava as roupas perto do tronco de uma árvore, e se jogava no açude. E o açude virava uma festa! A água, antes serena, pipocava com os saltos, e logo, com o incessante pisoteio agitado de todas as crianças, o barro do fundo ia subindo e turvando tudo, até formar um lamaçal. Parecia um bando de jacarés rolando os corpos nus. E o barro grudava nos cabelos, nas costas, sob as unhas, nas curvas das orelhas... Por mais que se esfregassem para limpar, não havia como não levar resquícios para casa e, consequentemente, fragilizar a argumentação de que não incorreram na desobediência de nadar nos açudes. As evidências estavam sempre presentes. Se não na roupa, com certeza, no corpo. Naquela tarde, no meio das risadas, dos saltos, das brincadeiras, ouviu-se uma voz ao longe, gritando: - Mário! Mário, você está aí?! Mário, que reconheceu a voz do pai, estremeceu. De longe, o açude apinhado de cabecinhas enlameadas, brilhando ao sol, silenciou. Era totalmente impossível reconhecer cada criança. O mais experiente deles, numa tirada de mestre e líder, respondeu: - Seu Osvaldo, o Mário não está aqui, não! E Mário apavorado, petrificado, meio escondido atrás de dois amigos, prendia a respiração, não conseguia arfar o peito tamanho era o medo. Seu Osvaldo, aparentando muita calma, respondeu: - Está bem... Eu me enganei pensando que ele estivesse aqui... Dizendo isso, Seu Osvaldo deu meia-volta e lentamente foi caminhando em retirada, refazendo quase o mesmo trajeto que percorrera na vinda. As crianças, percebendo que ele se afastava, voltaram às brincadeiras, às cambalhotas, e às risadas como se nada tivesse acontecido. Mário ficou meio ressabiado, mas logo esqueceu. E brincou... Como brincou... Seu Osvaldo, com seus olhos astutos de quem um dia já fora criança, ia caminhando lentamente e olhando de esguelha cada trouxinha de roupa colocada aqui e ali. E encontrou a trouxinha de Mário, com aquela velha camisa, surrada. Disfarçadamente, abaixou-se e rapidamente a recolheu. Estavam ali a camisa e o calção. Seu Osvaldo continuou a caminhada rumo à vila, abraçado à trouxinha de roupas do filho. Calmamente... E seguiu para casa. 23