Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 102

LiteraLivre n º 7 – janeiro de 2018
senhor continuava onde estava e solitário. Lamentou consigo mesma o pouco caso da mulher com o marido, ao atrasar-se tanto para vir ao seu encontro. Outra hora passou-se, mais uns amigos apareceram e ajudaram a estender o prazer daquela noite. Numa das ocasiões em que, casualmente, olhou para o balcão do bar, constatou que o velho se retirara. Ao sair com seus amigos, a moça não resistiu à curiosidade e perguntou ao barman se a esposa do homem tinha chegado afinal. A resposta foi surpreendente: o barman explicou que o cliente era viúvo, mas sempre dizia que aguardava a esposa. Em tom sarcástico, acrescentou que o vira agir, da vez passada, como se ela estivesse a seu lado.
A jovem continuou a frequentar o bar, só ou – no mais das vezes – na companhia dos amigos. Em algumas ocasiões, voltou a ver o viúvo solitário, sempre no mesmo lugar, defronte ao balcão e ao espelho que intermitentemente mirava( será que enxergava, ali, o reflexo da falecida esposa?). A moça ficou com a impressão de que o senhor parecia mais velho cada vez que o via. Sentiu compaixão por aquele homem que vivia a esperar sua cara metade, como se ela ainda fosse viva. Apesar desse sentimento, bem assim da sincera dor que passou sempre a experimentar quando vinha ao bar, ela jamais conseguiu reaproximarse do velho, fosse para verificar se poderia ajudá-lo( o que considerava improvável, na verdade), fosse apenas para retomar a conversa sobre obras literárias e musicais. A vontade de procurar atenuar a solidão daquele senhor contrapunha-se ao temor de que ele pudesse revelar algum desvio mental mais sério, capaz de colocar risco à segurança da moça. Essa ambivalência perturbou o prazer de suas vindas àquele bar de tal modo que finalmente decidiu não mais o frequentar, inventando desculpa que seus amigos engoliram com a mesma facilidade com que todos continuaram a engolir seus drinques de descontraída felicidade em diversos outros pontos de encontro. Sem a presença incômoda da dor de uma solidão interminável. Sem a dor ainda maior que causa a sensação de impotência ante o sofrimento humano.
* JAX é pseudônimo de Fernando Jacques de M. Pimenta, Brasília, DF
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