Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 101

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 confirmar a expectativa da moça de que viria a constituir agradável companhia naquela noite. A conversação inicial manteve, de parte a parte, o cuidado de mostrar-se gentil sem insinuar intenções outras que as do mero conhecimento mútuo. Ela comentou não se lembrar de havê-lo visto antes no bar, ao que ele polidamente esclareceu ser aquela somente a terceira vez que vinha. Acrescentou que, embora já residisse na vizinhança há quase quatro anos, não cultivava o hábito de sair à noite. Tendia mais a sair de dia e ficar em casa, de noite, dedicado à leitura ou à música. Coincidentemente com a idade que ela supunha que ele teria, o cidadão caseiro gostava de autores mais “tradicionais”, como Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Machado de Assis, entre os escritores brasileiros, e Albert Camus, entre os estrangeiros. Seu gosto musical compreendia tanto a música clássica, especialmente obras de Mozart e de Grieg, quanto canções populares brasileiras de Noel Rosa, Pixinguinha, Jobim e Chico Buarque. Para sua evidente satisfação, a jovem também conhecia boa parte das obras a que ele se referia, o que ensejou fluido intercâmbio de comentários em torno dessa “agenda” cultural. À medida que a conversação avançava, a moça deixou escapar um pouco mais da sua curiosidade, ao voltar ao tema da presença do senhor no bar naquela noite. Perguntou-lhe se vinha sempre só. Ele respondeu com naturalidade que, na verdade, ali estava a esperar pela esposa. Mesmo acreditando na espontaneidade e insuspeição dos encontros ocasionais, como aquele, a jovem refletiu que talvez não valesse a pena arriscar-se à chegada da mulher de seu interlocutor. Afinal de contas, vá saber o que pode passar pela cabeça de outrem ao encontrar o cônjuge em conversa com alguém desconhecido. Por prudência, e aproveitando o fato de que acabara de entrar no bar uma velha amiga, a moça desculpou-se com seu interlocutor e deixou-o novamente só. Cerca de uma hora depois, enquanto ela e a amiga passavam de um drinque a outro, em animado bate-papo, a jovem se deu conta de que o 96