Revista LiteraLivre 1ª Edição | Page 18

LiteraLivre n º 1

eu fiquei sem esse filho
Carla Bessa Berlim / Rio de Janeiro
( Tira a galinha do congelador e põe no micro-ondas. Passa a água que tinha acabado de ferver na garrafa térmica, põe o porta-filtro sobre a boca da garrafa, põe o filtro no portafiltro e o pó dentro, cinco colheres de sopa rasas) Depois eu tive: meus filhos, eu tive: meus sete filhos, quer dizer: seis. Porque: esse que mataram eu nem nunca criei ele não. Eu só: cuidei dele no primeiro mês, aí o pai dele: roubou ele de mim, o pai: sequestrou o garoto.( Deixa a água fervida escorrer devagar sobre o pó de café até encher o filtro. Para, espera até a água descer. O micro-ondas apita. Ela anda com a chaleira na mão e aperta o botão do micro-ondas que faz abrir a porta. Faz menção de tirar a galinha, mas desiste, pois só tem uma mão livre) Ele me bateu. Eu tenho isso aqui no meu rosto, ó, meio quebrado: foi ele. Pois é, é por isso que eu tenho o rosto meio assim, meio: deformado, né, se você olhar bem.( Põe mais água sobre o pó, para, espera) Ele roubou meu filho, eu: dei queixa. Então: foi a mãe dele que ficou com o meu garoto. Ele e a mãe criaram o garoto, mas: não me deixavam visitar. Aí eu pus: na justiça de novo e: ganhei o direito de ver o meu filho. Eu: ganhei um direito que era meu.( Recoloca a chaleira sobre a boca ainda acesa do fogão. Tira a bisnaga da cesta de pão, coloca sobre a mesa, junto com a manteiga Itambé e o queijo minas Frescal. A água ferve novamente. Põe mais água no pó de café) A mãe dele: trazia. Uma vez ou outra. Depois o garoto foi: crescendo, crescendo. E puseram o menino pra trabalhar de vendedor ambulante. O garoto andava: sujo: imundo: fedorento: largado. Acabou: saindo do colégio, fugiu. Então eu: falei com a professora e ele pôde: ficar lá, estudando mais um tempo. Aí fugiu. E passou um tempão fora e virou adulto e voltou com uma mulher e inventaram de morar lá perto de casa.
13