Revista LiteraLivre 1ª Edição | Page 17

LiteraLivre nº 1 Afeição Lis Dianna - Cabo-frio/Rio de Janeiro Faz um tempo que eu não vejo mais a senhora do ônibus. É uma senhorinha baixinha, risonha e bastante tagarela, ela sempre procura sentar ao lado de alguém para puxar algum assunto. Dia desses ela sentou ao meu lado e começou a falar da novela e do seu esposo que a perturbava pra comprar todos os dias ameixas secas, que ele adorava._ Olha que homem chato. Cisma de comer essa porcaria. Você já viu isso? Eu detesto ameixa quanto mais seca! Tão distraída e com mil problemas na cabeça eu estava que nem percebia a velhinha falar. Então ela me diz:_ Filha esta calada hoje. O que esta havendo, hein?_ Imagina eu sempre sou quieta. Não é nada. Eu digo a senhorinha que me olha bem dentro dos olhos, realmente não costumo conversar muito e no ônibus eu gosto mesmo é de ler já que a viagem é maçante, mas aquela senhora conseguia fazer eu fechar o livro e começar sempre uma nova conversa ali. Não sei o que ela tinha, mas algo nela me comovia, talvez fosse seu bom humor ou quem sabe seu mal humor. Porém nesse dia estava com uma dor de cabeça horrível resultado de um dia complicado no trabalho e uma discussão com meu chefe. Ela não insistiu em prosseguir enquanto eu apenas sorria. De repente ela abre a sacola e como sempre me entrega um monte de balas de caramelo, minhas balas preferidas. Agradeci. Aquela senhora conseguia sempre melhorar meu dia, na terceira bala a dor de cabeça já nem mais existia. Ela logo desceu do ônibus e eu nunca mais a vi. Outro dia sentada no ônibus ouço então o cobrador falando sobre a senhora tagarela, ele falava com uma mulher que perguntara por ela, certamente uma de suas “admiradoras’’. _ Ela mora na rua ao lado do ponto. Minha namorada é vizinha dela. Faz uns dias que o marido dela morreu. Disfarçadamente eu passo para o banco da frente, assim ouço melhor a conversa._ Ele vivia em cima da cama estava bem velhinho, eu o conheci. Parece que já não andava mais e nem falava. Eles não tinham ninguém além deles. Ela fazia tudo por ele, mas era muito sozinha. Minha namorada disse que ela se mudou. Mas ninguém sabe pra onde. Logo depois disso eu entendi porque ela entrava naquele ônibus todos os dias apenas para conversar. Talvez fosse a única forma dela se distrair. Talvez fosse a única forma de ela ter alguém pra ouvir suas histórias e distribuir seu afeto. Onde estaria ela agora? Senti um aperto no peito em saber que não a veria mais entrar naquele ônibus implicando com o motorista. Lembrei-me daquele dia que eu não quis conversar. Se soubesse que a senhorinha engraçada não estaria mais ali eu juro que passaria do meu ponto e pediria pra ela ficar ali até darmos uma volta inteira pela cidade. Eu e a senhorinha com minhas deliciosas balas de caramelo. 12