Revista LiteraLivre 1ª Edição | Page 19

LiteraLivre nº 1 (Nota que a garrafa térmica está cheia. Tira o porta-filtros e põe dentro da pia. No meio do caminho, pinga café sobre o braço e “ai, merda!” Fecha a garrafa térmica e trás para a mesa. Abre de novo e me serve de café, pergunta “quer leite?”, eu digo, “quero”. Me serve de leite e se serve de café, leite e – ia pegar o açúcar, mas muda de ideia, balança a cabeça, decide-se pelo adoçante, Zero Cal.) Mas, deixa eu: voltar pra trás um pouco. Na época que o pai pegou o garoto pra criar com a vó, eles: não deixavam eu visitar, né, não deixavam: nem falar comigo. E o dia que a gente se encontrava e ele falava comigo ou me dava a benção, aí ele: levava porrada. Só porque tinha falado comigo, porrada de adulto, eles: machucavam o garoto todinho. (Passa manteiga na bisnaga que ainda está quente, a manteiga derrete um pouco, ela passa a ponta da língua na borda da bisnaga para evitar pingar manteiga na toalha da mesa. Dá uma mordida no pão que segura com a mão direita, a esquerda deixa em baixo em forma de concha para amparar eventuais pingos e migalhas. As migalhas ela joga na boca ainda aberta da mordida e mastiga e engole tudo. Come com apetite, dando goles largos no seu café com leite, que sopra entre uma coisa e outra) Aí fugiu. E apareceu com essa mulher e inventou de morar lá perto de casa. Mas nisso só: andava em parada errada porque: a mulher que ele arrumou era dessas coisas, era: das drogas. Ele: caiu nessa bagunça aí. Eu só sei que a mulher, eu não sei o que houve lá, mas a mulher: arrumou uma tramoia com dois primos e uns colega dela e mandou: matar ele. Dentro de casa. Mataram ele em casa. Enquanto estava dormindo. Pegaram: uma pedra enorme assim, ó, e: jogaram em cima dele. Depois ainda deram: um monte de tiro por cima, os cara lá: mataram ele lá mesmo: dormindo em casa. (Pousa a xícara no pires e o pão do ladinho. Limpa a boca com as costas da mão direita) Aí eu fiquei sem esse filho. 14