LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020
Por vezes tentei, me colocar no lugar dele. Era inútil. Eu teria chorado,
esperneado, questionado, eu estaria cansada e fragilizada. Sr. Braz era fortaleza.
Quando a sonda não progredia para retirar a secreção que incomodava traquéia
abaixo, ele me olhava me consolando.
Ele sabia, mais do que eu, que era o tumor impedindo a passagem da
sonda. Eu insistia, meus olhos marejavam e eu pedia apenas 10cm de diâmetro
para que a sonda entrasse e aliviasse o desconforto. Eu me entristecia. Ele
percebia, e entre um suspiro e outro, entre os já fadigados ciclos respiratórios,
olhava-me e acalentava-me com seu olhar perene.
Eu me sentia impotente enquanto ele estava cansado. Segurei sua mão
com força e fiz uma prece. Não sei se tenho lá tanta fé, mas queria ser
instrumento de acalanto, para minimizar desconforto naquele momento.
Pedi aos céus para ele partir em paz.
No paradoxo da vida, na linha tênue entre viver e morrer estava eu, com
minha dificuldade de lidar com partidas e despedidas.
Eu não conhecia a história daquele senhor, mas num exercício de empatia,
eu me frustrava com a incessante busca por oxigênio, na tentativa de viver,
enquanto a morte já lhe olhava à espreita, num paralelo entre um corpo físico em
sofrimento e a vasta imensidão do seu corpo etéril.
A cada partida ficava um vácuo. Chamamos a equipe para perto dele.
Optamos por aumentar os medicamentos para confortá-lo. Olhei para ele com
olhos em prece, firmes, ele cerrou os olhos após o aumento da sedação paliativa
e só os abriu na outra dimensão. Sr. Braz deixou aquele corpo cansado dentro de
pouco tempo, sem cheiro de revolta ou insatisfação, numa partida tranquila que
soava descanso, paz, fé e lucidez.
Eu voltei para casa, depois da lição de serenidade do Sr. Braz, para imergir
no viver da minha família, exalando gratidão, vontade de aproveitar a plenitude
dos dias e valorizar cada minuto com um nó na garganta de emoção e amor pela
vida, pedindo ao universo paz e luz.
[79]